Os "jovens" são limitados pelo seu umbigo e pelo
imediatismo dos seus interesses
A pretexto do discurso do Presidente da República,
no 25 de Abril, os "jovens" voltaram, uma vez mais,
à tona da actualidade. Como se sabe, é de bom-tom
falar nos "jovens". Angustiar-nos com a sua falta de
horizontes, compreender as suas preocupações,
partilhar os seus entusiasmos e, naturalmente,
preocuparmo-nos solenemente com o seu manifesto
desprezo por determinadas actividades. Pela
política, conforme referiu o Cavaco Silva, baseado
num estudo sobre os jovens e a política. Mas também
pela leitura ou pela música ou por qualquer outro
item de natureza cultural.
Volta e meia, a nossa agradável rotina é
sobressaltado pela divulgação de um estudo
assustador que revela que os "jovens" não nutrem uma
edificante curiosidade pela nossa história recente
ou que mantêm as devidas distâncias em relação às
artes da culinária ou aos desafios da ciência.
Perante isto, não se percebe muito bem por que é que
esses mesmos "jovens" se deveriam interessar pelas
aventuras do eng. Sócrates ou pelas peripécias do
PSD. Mas o Presidente lá terá as suas razões!
Pouco importa que os "jovens" sejam um segmento da
população particularmente limitado pelo seu umbigo e
pelo imediatismo dos seus interesses. Numa sociedade
infantilizada que estigmatiza a velhice e privilegia
a novidade, a juventude adquiriu um valor
irrefutável que ninguém se atreve a contrariar. Os
jovens estão "insatisfeitos" com a democracia? O
Presidente, preocupado com essa legítima
"insatisfação" e com o "autismo de uma certa classe
política", apressa-se a recomendar uma "nova
atitude" e uma maior "proximidade" que propiciem um
saudável "clima de confiança" entre governantes e
governados.
É verdade que, neste ponto preciso, Cavaco Silva
substituiu habilidosamente os "jovens" por
"cidadãos", esclarecendo que os partidos não fizeram
o necessário reforço para a credibilização da vida
pública". Para mais à frente poder dizer que "vender
ilusões não é certamente a melhor forma de
fortalecer o imprescindível clima de confiança".
Mais do que um juízo sobre as promessas eleitorais
que o eng. Sócrates deixou por cumprir, estas
palavras parecem ser antes um aviso ao
primeiro-ministro para os tempos pré-eleitorais que
se avizinham. No entanto, este tipo de subtilezas
não teve qualquer eco na opinião pública. Com o
Governo a concordar entusiasticamente com o
diagnóstico negativo apresentado pelo Presidente, o
que passou para o exterior foi a angustiante
confirmação de que os "jovens" não se revêem nesta
democracia. Curiosamente, os dados do estudo,
realizado pela Universidade Católica, oferecem uma
imagem um pouco diferente. Enquanto os jovens (15 a
17 anos), esses deserdados do sistema, acreditam, na
sua maioria, que a sociedade "pode melhorar com
pequenas mudanças", havendo mesmo seis por cento de
optimistas que consideram que a situação "está bem
como está", a revolução espreita no sossego da
meia-idade. Traduzindo por números, fica-se a saber
que 48 por cento da população em geral consideram
que essa mesma sociedade "necessita de reformas
profundas" e que, por sua vez, 23 por cento acham
que o cenário "deve ser radicalmente mudado". Se
somarmos estes dois grupos de "agitadores", chegamos
a um número significativo: 71 por cento dos
portugueses querem que o país sofra, no mínimo, uma
transformação de fundo ou, no máximo, uma alteração
radical, seja o que for que isso queira dizer - e
diga-se, desde já, que não parece que isso queira
dizer nada de particularmente agradável. Os "brandos
costumes", essa ficção indígena que os factos
desmentem diariamente, correm o risco de ser
definitivamente enfiados na gaveta onde já se
encontra essa outra ficção que é o socialismo do PS.
Estes dados inquietantes não comoveram, no entanto,
o Presidente da República: convicto da importância
única dos jovens e da justa invulnerabilidade dos
seus interesses, Cavaco Silva dedicou-lhes o 25 de
Abril e uma retórica florida onde se misturavam
harmoniosamente os preconceitos da época e os
lugares-comuns da praxe. Dramatizar o afastamento
entre os jovens e a política, quando a grande
maioria da população portuguesa se mostra
"insatisfeita" com o funcionamento da democracia, é
reduzir a realidade a uma ideia feita que, como
qualquer ideia feita, tem o duvidoso mérito de ser
consensual.
Por fim, confundir o desinteresse pela política (que
existe) com a manifesta ignorância da espécie, para
além de se prestar aos mais lamentáveis equívocos,
faz com que, em vez de um "clima de proximidade", se
crie antes uma relação de promiscuidade. Se metade
dos jovens inquiridos não sabe qual o número de
Estados da União Europeia, desconhece quem foi o
primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e não
faz ideia se o PS tem maioria absoluta no
Parlamento, o melhor que os políticos têm a fazer é
pensar melhor no que se tem passado na Educação.
Jornalista