Já começou o Natal
João César das Neves, Professor UCP.
Já começou o Natal
Já começou o Natal. As ruas e as montras estão decoradas, os catálogos de
compras multiplicam-se, fazem-se listas, planos, combinações. Acima de tudo,
aumentam a azáfama e as compras. A balbúrdia é grande, mas todos, até os mais
empedernidos, sentem a necessidade de se sentirem bem-dispostos e serem
simpáticos para com os outros. Já começou o Natal.
Cheira-se no ar aquele ambiente estranho, surpreendentemente confortável e doce.
Vêm à memória momentos da infância. Este ano é outra vez Natal. Reaparecem
símbolos inusitados e anacrónicos. Sinos, azevinho, trenós, bonecos de neve,
estrelas, estábulos. Já ninguém sabe exactamente o que querem dizer e soam a
estranho na nossa sociedade electrónica. Mas é isso que constitui o espírito de
Natal. A actividade económica e a problemática sócio-política têm de se preparar
de novo. Já começou o Natal.
No meio de tanta confusão, passa um burrinho com uma Senhora grávida em cima e o
marido ao lado. Naturalmente, hoje como em todos os anos dos últimos dois mil,
poucos lhe ligam. Já começou o Natal e estamos demasiado ocupados em todas as
preparações para lhes dar atenção. Não há lugar para eles nesta nossa intensa
actividade. Temos de decorar ruas e montras, ler os catálogos de compras, fazer
listas, planos, combinações. Afinal é Natal, a época menos adequada para estes
estranhos nos virem perturbar.
Mas hoje, como em todos os anos dos últimos dois mil, o Menino insiste em
nascer. Perante o nosso alheamento e indiferença, Ele insiste em nascer. A
actividade económica e a problemática sócio-política não têm lugar para Ele. As
nossas tarefas familiares e ocupações profissionais não permitem que lhe
liguemos. Mas Ele insiste sempre em nascer. Nem que seja num estábulo. Num
estábulo vazio e frio, o único sítio da cidade que tem lugar para Ele.
Era suposto o estábulo estar vazio. Há tanto a fazer no Natal, há tanta
actividade na cidade, que ninguém tem tempo para ir ao estábulo vazio e frio. Só
por isso é que há ali lugar para Ele. Só por isso é que o Menino conseguiu
nascer. Mas depois, surpreendentemente, aquele estábulo fica cheio de gente.
Os pastores e os magos visitam o Menino. Eles sabiam que o Menino viria. Eles
tinham começado o Advento, depois da festa do Cristo-Rei. Tinham iniciado o ano
litúrgico e seguido as várias semanas de preparação para a chegada do Menino.
Vão à missa, rezam o Terço, confessam-se, acompanham a liturgia festiva desta
época incomparável do ciclo anual. Desta forma é que conseguiram ouvir a
mensagem do Anjo e seguir a estrela até ao Presépio. Desta forma é que foram
ouvindo ³Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados² (Lc
2, 14).
Claro que os pastores e os magos também estão muito atarefados na azáfama geral.
Afinal, já começou o Natal é há muito a fazer. Também eles fazem listas, planos,
combinações. Também eles aumentam o bulício e as compras. Mas fazem-no
acompanhando a viagem do burrinho com a Senhora grávida e o marido ao lado.
Fazem-no para festejar o nascimento do Menino. Fazem-no para nascer de novo, com
o Menino. E só assim é que é possível a presença do Menino nas festas de Natal
deste ano. Só através de todos os que se ocuparam intensamente nessas festas,
mas a pensar no Menino. Por causa do Menino.
Aliás, são os pastores e os magos que, mais do que ninguém, cheiram no ar aquele
ambiente estranho, surpreendentemente confortável e doce. São eles que revivem
na memória momentos da infância, da juventude, da velhice. Momentos em que foi,
mais uma vez e sempre, Natal. São eles que, no meio da azáfama, entendem os
símbolos, os sinos, o azevinho, os trenós, os bonecos de neve, a Estrela, o
Estábulo. São eles os únicos que sabem exactamente o que querem dizer os
símbolos e como eles se enquadram estranhamente em todas os séculos, até na
nossa sociedade electrónica. São eles que vivem o verdadeiro espírito de Natal.
Aquele espírito que todos sentem, mesmo no meio da azáfama. Porque todos vivem o
espírito de Natal, aquela necessidade estranha de se sentir bem-disposto e ser
simpático para com os outros. Mas o único espírito de Natal que existe vem
daqui. Aquele espírito que todos, até os mais empedernidos sentem, vem daqui.
Não há outra fonte do espírito de Natal senão o nascimento do Menino. E este
espírito só se pode entender seguindo o Advento, as várias semanas de
preparação, indo à Missa, rezando o Terço, confessando-se, acompanhando a
liturgia festiva desta época incomparável do ciclo anual. Todos, mesmo os mais
empedernidos, é daqui, mesmo sem o saberem, que recebem este espírito único,
aquele ambiente estranho, surpreendentemente confortável e doce.
Neste ano vai nascer o Menino. Neste ano, apesar das nossa azáfama, conscientes
ou inconscientes, vai nascer o Menino. Quem O traz, em cima do burrinho e ao
lado do marido, é a Senhora. E a Senhora chama-se Igreja. Já começou o Natal.
João César das Neves
Professor UCP

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