Público - 20 Dez 02
Entrevista com Valadares Tavares: Níveis de Dispersão das Médias a Matemática
"São Inaceitáveis"
Por BÁRBARA SIMÕES
Conhecidos os resultados deste trabalho sobre assimetrias na educação, é preciso
tomar medidas: entender o sucesso e premiá-lo, compreender o insucesso e
corrigi-lo. Nem que para isso seja preciso dar a cada aluno um "voucher", para
ir comprar a formação matemática onde quiser, sugere o autor do estudo.
Só um país que anda distraído pode ignorar o que se passa com as notas a
Matemática e não introduzir medidas que corrijam a situação.
PÚBLICO - Os dados que obtiveram neste trabalho foram surpreendentes?
Valadares Tavares - Foram e por isto: somos um país muito
pequeno e os níveis de dispersão são inaceitáveis. Eu tenho muita dificuldade em
compreender como é que, entre concelhos que pertencem à mesma classe (ao mesmo "cluster")
sócio-económico, há uns que têm média de 3 no exame de Matemática e outros que
têm 9. Mostra que quando temos presidentes das câmaras, vereadores, directores
de escola, professores empenhados e de qualidade, os resultados são extremamente
melhores.
E acho que é também muito surpreendente como é que o país anda distraído e
não introduz medidas de compensação, de correcção que evitem este estado de
coisas. Como é que ninguém fala neste assunto?
P. - Está a pensar em medidas de que género?
R. - Primeiro, é preciso compreender os sucessos. Por que é que os
portugueses - com o mesmo quadro legal, o mesmo Ministério da Educação, o mesmo
tipo de gestão orçamental - nuns casos têm sucesso e noutros não? Estes casos
têm de ser estudados.
A segunda iniciativa é premiá-los. Muitas vezes, especialmente nos últimos anos,
houve no nosso país quem dissesse - designadamente pessoas do Governo com
responsabilidades em educação - que não devia haver prémios, porque havia
condições diferentes.
P. - Acha que não faz sentido?
R. - Não faz sentido nenhum. Eu, por exemplo, nunca teria um jogo de futebol.
O meu clube, que é o Belenenses, tem uma receita menor do que o Benfica,
portanto não podia jogar com o Benfica. Não faz sentido, até porque estes dados
mostram o contrário: tenho concelhos com péssimas condições que têm resultados
excelentes - às vezes o Belenenses ganha ao Benfica.
A ideia de que não deve haver prémios é perversa e tem contribuído para a
degradação do sistema educativo português. Aqueles concelhos que estão no topo
dos 20 por cento melhores - e que, nalguns casos, pertencem à classe mais
desfavorecida do país - devem ser premiados, deve haver um quadro de honra,
devemos saber quais são, devem aparecer na comunicação social.
P. - E qual seria a terceira categoria de iniciativas a tomar?
R. - Estudar os casos que estão piores. Estamos em níveis de dispersão e
variâncias tão grandes que julgo que, em certa medida, se pode considerar já um
desrespeito do princípio constitucional da igualdade de oportunidades. É uma
situação tão escandalosamente afastada do imperativo constitucional que já
estamos fora daquilo que é razoável, em termos de uma democracia. Estamos a
falar de 1 para 3! Eu não posso acreditar que os jovens de Albufeira sejam menos
inteligentes, tenham menos capacidade, menos propensão para a Matemática do que
os que estão no concelho que fica ao lado. Ninguém acredita nisso.
P. - O que é que poderá estar a acontecer?
R. - É isso que é preciso compreender. Pode ser que sejam escolas onde não
haja professor de Matemática, ou o professor tenha mudado, ou esteja doente, ou
a escola esteja sem gestão, ou o município não esteja interessado na situação,
não faço ideia. Há que fazer um estudo monográfico de cada uma dessas situações.
É para isso que há Ministério da Educação.
E a quarta iniciativa é, em relação a cada um desses casos, adoptar terapêutica
adequada.
P. - Por exemplo?
R. - Se é um problema de falta de professores de Matemática, é obrigação
estrita do Ministério da Educação fazer as contratações para colocar lá
professores adicionais. Se é uma questão de insuficiência de escola, temos que
adoptar medidas compensatórias. Isto é um exemplo que eu gostava de sugerir: um
"voucher" de formação complementar. Se há uma situação em que, sistematicamente,
numa escola os alunos não são capazes de aprender Matemática, ou se muda a
escola ou se dá a cada um desses portugueses um "voucher", um cheque para ele ir
comprar a formação matemática onde quiser.
P. - Um explicador?
R. - Pode ser um explicador, um produto didáctico para aprender em casa, ir a
aulas adicionais noutra escola, não sei. O que não é razoável é dizer: "Nós
oferecemos um sistema mau e você tem que aceitar este sistema mau e não há nada
a fazer". Não é razoável e agrava as distorsões dentro do país.
Há casos em vários países em que, numa situação destas, o Ministério da Educação
toma um conjunto de iniciativas. E se, ao longo de vários anos, continuamos a
ter esses resultados, há muitas vezes soluções radicais. Eu assisti (e não foi
só nos Estados Unidos) a situações em que a entidade responsável diz: "Isto não
vai continuar assim", porque estão a ser postos em causa direitos fundamentais
que são realmente garantidos pela Constituição. Isto não pode ser uma república
das bananas, isto é uma República a sério.
P. - Estas discrepâncias isolam ainda mais Portugal ou é um tipo de situação
que se regista também noutros países?
R. - O que acontece é que Portugal tem um nível de conhecimentos dos alunos a
Matemática abaixo do que se passa na Europa. O que eu vejo é que no TIMSS [3º
Estudo Internacional de Matemática e Ciências], em 1995, nós estamos no fundo. E
agora o que é que acontece com o PISA [Programme for International Student
Assessment], em 2001? Cá está: aumentámos muito a despesa pública em educação.
Veja lá se melhorámos. Eu não vejo aqui melhoria nenhuma.
Isto mostra que, em termos internacionais, os nossos jovens vão entrar na vida
activa daqui a uns anos, em economias muito globalizadas, com o mercado interno
a funcionar em pleno, vão ter que estar em concorrência com os jovens dos outros
países e vêm com uma formação do patamar cá de baixo. É isto uma política de
apoio social às oportunidades e a fornecermos a cada jovem português um
instrumento de efectiva acção para a sua vida activa? Pois acho exactamente o
contrário. Foi a década perdida.
destaque: Muitas vezes, especialmente nos últimos anos, houve no nosso
país quem dissesse que não devia haver prémios, porque havia condições
diferentes. Não faz sentido nenhum. Eu, por exemplo, nunca teria um jogo de
futebol. O meu clube, que é o Belenenses, tem uma receita menor do que o Benfica,
portanto não podia jogar com o Benfica. Não faz sentido, até porque estes dados
mostram o contrário: tenho concelhos com péssimas condições que têm resultados
excelentes - às vezes o Belenenses ganha ao Benfica

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