Público - 8 Fev 03

Ministério Instaurou Processos Disciplinares a 50 Escolas com Ensino Recorrente
Por ISABEL LEIRIA

Abusos no acesso ao superior

Número de alunos do recorrente que fizeram provas específicas para ingressar nas universidades cresceu dez vezes em quatro anos

Ao todo são 50 as escolas - públicas e privadas - com ensino recorrente que estão a ser alvo de processos disciplinares instaurados pelo Ministério da Educação. Sobre elas recai a suspeita de terem sido cúmplices e facilitado a utilização abusiva desta modalidade especial de educação - destinada a quem não cumpriu a escolaridade na idade própria - por parte de alunos que, longe de constituírem o seu público-alvo, tentaram assim um acesso mais fácil ao superior.

"Os processos disciplinares implicam a aferição concreta de culpa. Mas uma vez constatada a culpa, as penalizações vão ocorrer e podem ir até à retirada do paralelismo pedagógico [o ensino que ministram deixaria de ser reconhecido pelo ME]", garantiu ontem o secretário de Estado da Administração Educativa, Abílio Morgado.

Chamado à Assembleia da República para responder a uma interpelação apresentada pelo partido "Os Verdes" sobre as investigações em torno do ensino recorrente, Abílio Morgado revelou ainda mais números (ver caixa) que, se dúvidas subsistissem, dão prova de que esta era cada vez mais uma porta de acesso ao ensino superior. E uma via bem mais fácil: com menos disciplinas, nenhum exame nacional e cadeiras que se conseguem completar em poucas semanas, já que funcionam num sistema de módulos.

Por tudo isto, a deputada dos "Verdes" Heloísa Apolónia quis saber que irregularidades foram já detectadas, que consequências iriam sofrer alunos e escolas implicadas e como iriam ser ressarcidos todos aqueles que ficaram de
fora do superior por terem sido ultrapassados por outros que entraram indevidamente.

Em relação a estas matérias, o secretário de Estado poucas novidades tinha para dar. As investigações, quer em relação aos alunos que entraram este ano no ensino superior, quer em relação a uma centena de estudantes que ingressaram em 2001/02 e que estão a ser investigados pela Inspecção-Geral da Educação na sequência de várias denúncias, prosseguem. Até ao final do mês esperam-se algumas conclusões, anunciou.

"O processo assume para nós a maior importância, mas também delicadeza. Há aqui lógicas de culpabilidade subjectiva que são muito complicadas", explicou Abílio Morgado. É que, mesmo sendo certo que houve por parte de muitos alunos uma perversão do espírito com que o ensino recorrente foi criado, o problema reside em saber se houve, de facto, violação da lei ou se estes estudantes apenas se socorreram de algumas lacunas e contradições da legislação existente.

Equivalências incorrectamente atribuídas, classificações mal arredondadas, cadeiras já realizadas mas indevidamente anuladas para melhorias de nota são algumas das irregularidades detectadas. E por se tratarem de violações das regras de avaliação, podem ainda vir a ser punidas - não há lugar a prescrição e o certificado de habilitações poderá ser anulado. Já o mesmo não acontece com irregularidades no processo de matrícula, por exemplo, sanadas ao final de um ano.

Vagas vão ser reabertas

Ontem, o secretário de Estado lembrou ainda que vão ser reabertas todas as vagas no ensino superior que foram indevidamente preenchidas no concurso nacional de acesso de 2002/03. Estas serão depois ocupadas pelos alunos "não colocados, constantes das respectivas listas ordenadas onde ocorrem alterações", determina um despacho conjunto dos ministérios da Educação e do Ensino Superior, assinado em Setembro.

Já em relação aos processos relativos a 2001/02, Abílio Morgado disse que será o grupo independente que está a trabalhar todos estes casos a propor as medidas a tomar.

Finalmente, o secretário de Estado garantiu que na nova legislação será assegurada a formação para os alunos entre os 16 e os 18 anos, a quem o acesso ao recorrente está vedado pela actual Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE). Só que, sublinha, não só a LBSE terá de ser alterada, como "serão tomadas outras medidas que evitem a utilização fraudulenta para o acesso ao superior".

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