Público - 20 Dez 02

Notas a Matemática: Condições Sócio-económicas Não Determinam Sucesso dos Alunos
Por BÁRBARA SIMÕES

Mértola, um concelho que pertence ao grupo dos mais desfavorecidos do ponto de vista sócio-económico, fica acima da média nacional nos exames de Matemática do 12º ano. E no conjunto dos que fazem parte da classe imediatamente a seguir, em termos de poder de compra e nível de ensino, há sete onde o desempenho dos alunos supera a baixa média do país, que é - também ela - 7. Duas conclusões: há uma grande disparidade de notas, mesmo quando as condições das zonas em que se inserem as escolas são, à partida, semelhantes; a tese de que o grau desenvolvimento de uma região determina o sucesso escolar "é falsa". Primeiros resultados de um trabalho desenvolvido por Valadares Tavares, catedrático do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, para a Sedes.

Há lugar para todos no grupo dos 43 concelhos portugueses que registam as mais elevadas médias a Matemática nos exames do 12º ano: como se esperava, estão lá os mais ricos e desenvolvidos, a começar por Lisboa e Porto; o que talvez já não fosse tão previsível é que também fazem parte deste "top" alguns dos mais desfavorecidos, em termos económicos e sociais.

Mértola, por exemplo. Integra o grupo de concelhos com menos poder de compra e mais baixo nível de ensino, mas o desempenho médio dos alunos na disciplina que constitui uma das grande dores de cabeça da educação em Portugal inscreve-se dentro daquilo que de melhor se consegue fazer no país: 7,6 valores. Seguem-se, no mesmo nível de desenvolvimento, Resende e Vieira do Minho (7,1) e Meda (7,0). A média nacional é 7.

Atente-se também em Oliveira de Frades (8,1), Ponte de Lima (8,0), Sátão (7,7) e São Pedro do Sul (7,5). Vêm todos do segundo patamar de desenvolvimento - a contar do fundo, claro - e competem com os do extremo superior da tabela quando o que está em causa são as notas de Matemática.

Da mesma maneira, concelhos com boas condições sócio-económicas integram o grupo dos 42 com as médias mais baixas. É o caso de Alcochete (4,3 valores de média concelhia), Portalegre (4,8) e Albufeira (5,1).

Esta é uma das mais claras conclusões de um trabalho desenvolvido, para a Sedes, por Luís Valadares Tavares, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e antigo presidente do Comité de Educação da OCDE: Portugal regista uma grande disparidade de notas a Matemática, mesmo quando as condições sócio-económicas das zonas em que se inserem as escolas são, à partida, semelhantes.

Significa isto, sublinha, que a tese de que o grau desenvolvimento de uma região determina o sucesso escolar "é falsa". Posto de outra maneira, "se o contexto explica tão pouco, é porque a oferta educativa é diferente".

Nenhuma média chega ao 10

Mas há outras implicações a retirar deste tipo de resultados. O estudo, não se cansa de repetir Valadares Tavares, "mostra que vivemos num país com grandes assimetrias nas oportunidades que estão a ser oferecidas aos jovens". O raciocínio é este: "Não é verosímil que eu atravesse uma estrada, mude de concelho e passe de um que está no 'top' das médias para outro que está no 'bottom' porque os alunos são mais inteligentes ou mais trabalhadores num do que noutro."

E aquele argumento, acrescenta, de que "é sempre o problema das condições sócio-económicas", que o nível de desenvolvimento permite determinar os desempenhos, "não se verifica". "Tenho resultados óptimos em concelhos muito atrasados" e vice-versa. A disparidade de notas médias, dentro de cada grupo de concelhos com características semelhantes, chega por vezes a ser de 1 para 3 - uns têm 3, outros têm 9.

Mais de 9 (mais concretamente 9,2), é certo, ninguém tem. É significativa a maneira como Valadares Tavares apresenta os números que se lhe deparam. "Temos aqui muitas observações a fazer. Primeiro, há resultados baixos, muito baixos. E depois há resultados incrivelmente baixos!"

Há um lado nestes valores que não constitui surpresa. Sabendo-se, desde o Verão, que a média nacional dos alunos portugueses que este ano fizeram, na 1ª fase, o exame 435 de Matemática era de 7 valores, não seriam de esperar grandes notas por concelho. Mas há casos em que a média é tão baixa, tão baixa que ainda consegue espantar o autor do estudo: "Como é que em 2002 temos concelhos - não estou a falar do aluno, não estou a falar da turma, não estou a falar da escola, estou a falar do concelho! - com 4 e 3 de média? Ninguém dá por isto?"

Estas análises inserem-se num projecto da Sedes, apoiado por várias instituições, cujo objectivo é compreender as assimetrias regionais na educação. "A sensação que temos é que em Portugal aumentaram na década de 90, ao contrário do que aconteceu em muitos outros países. A França e alguns países nórdicos, por exemplo, usaram esses anos para corrigir estas diferenças e para poder cada vez mais oferecer as mesmas oportunidades de educação a todos os cidadãos", esclarece ainda o catedrático do Técnico. As primeiras conclusões do trabalho serão apresentadas publicamente no início do próximo ano.