Público - 18 Fev 03
"Inacção do Ministério Gerou Uma Degradação Inevitável"
Por S.S.C.
Três perguntas a Joaquim Azevedo
Há muito que o Ministério da Educação tem conhecimento dos elevados níveis de
insucesso nos cursos tecnológicos, mas "até hoje nada fez". "Isso é dramático",
comenta Joaquim Azevedo, ex-secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário
nos governos de Cavaco Silva, que diz não compreender o "travão" que foi imposto
ao crescimento das escolas profissionais.
PÚBLICO - Não é um dado novo que os cursos tecnológicos têm um insucesso
elevado. Como é que se justifica que não tenham sido tomadas medidas para
contrariar esta tendência?
JOAQUIM AZEVEDO - É uma bela pergunta, é isso que eu me pergunto também. A
aplicação generalizada dos cursos tecnológicos terminou em 1995/96. A tutela
tem, desde essa altura, total conhecimento dos problemas e das possíveis
soluções, e até hoje nada fez. Isso é dramático. Eu estou à vontade para falar,
porque, em grande medida, foi comigo que esta formação foi desenvolvida. No
momento em que uma medida é colocada no terreno, e verificando-se que ela tem
algumas inadequações, o que há a fazer é corrigi-la. Esta inacção do ministério
gerou uma degradação inevitável. Hoje estamos em perda de alunos nestas áreas e
em perda de qualidade. E isso é muito grave, quando se pode actuar.
P. - Que correcções é preciso introduzir?
R. - Uma delas é rever os conteúdos e as áreas disciplinares. É preciso fazer
uma adaptação curricular, porque temos um perfil muito desenhado para,
simultaneamente, permitir aos alunos aceder ao ensino superior e serem
integrados no mercado de trabalho. Isto não é viável em termos de perfil de
formação. Depois, é preciso rever a ligação ao mundo empresarial. Nos cursos
tecnológicos não há estágios, não há provas de aptidão, a ligação ao mundo
empresarial é muito ténue - e se a ligação ao mercado de trabalho não é bem
feita durante o período de formação é difícil depois aumentar as taxas de
empregabilidade no fim da formação.
É necessário actuar na certificação, que deveria ser certificação profissional,
equivalente ao 12º ano. É preciso também investir na formação de professores
dessas áreas. E é preciso restringir o número de escolas onde são oferecidos os
cursos tecnológicos, porque há muitas que fazem deles uma espécie de caixote do
lixo para os alunos que chegam ao 9º ano com cinco ou seis níveis negativos e
que transitam, com a condição de seguirem para os cursos tecnológicos.
P. - As escolas profissionais são as que têm níveis de eficiência mais
elevados. Por que razão são subvalorizadas?
R. - São subvalorizadas apenas do ponto de vista político. O que é que faz
ver se uma escola é ou não valorizada socialmente? A procura e o acolhimento "a
posteriori" dos seus diplomados. O que é que se verifica? Que as escolas
profissionais têm uma procura elevada, que não é satisfeita. No ensino
profissional temos excesso de candidatos e há "numerus clausus". O Ministério da
Educação não deixa crescer o número de turmas e de lugares.
A procura das escolas profissionais no presente ano lectivo foi satisfeita em 57
por cento. Como é que um país que tem tanta falta de quadros intermédios recusa
inscrições a milhares de jovens? Houve claramente um travão, que não traduz de
maneira nenhuma a procura que estas escolas têm.

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