Público - 25 Mar 03

Pais e Escola Devem Explicar a Guerra às Crianças
Por ELISABETE VILAR

Deverão os pais proteger as suas crianças de verem a guerra contra o Iraque na televisão? E qual o papel das escolas na mediação das imagens e informações violentas e desconcertantes que a TV despeja na vida dos meninos?

Entre os psicólogos australianos, por exemplo, recomenda-se que os meninos em idade pré-escolar não vejam nem uma notícia sobre o assunto. Mas que fazer com as crianças mais velhas que, inevitavelmente, serão confrontadas com a questão da guerra na escola, na rua ou com os amigos? Para Sara Pereira, especialista em estudos da criança da Universidade do Minho, "não vale a pena esconder" do jovem o que se passa. Sobretudo "se a criança vê e fala e sabe que é uma coisa bem real", a melhor opção "é explicar o que está a passar-se".

Ou seja, o silêncio, a tentativa de ignorar, de deixar passar não são uma boa escolha: "Não se pode nem deve retirar a criança da realidade." Tanto mais que as imagens da guerra são susceptíveis de produzir "efeitos indesejáveis em crianças vulneráveis", lembra Manuel Pinto, investigador de "media" da mesma universidade.

É certo que, como sublinham ambos os estudiosos, não há fórmulas gerais de sucesso para esse enquadramento. Cada criança é um caso; cada família e história pessoal constitui um contexto, que deve ser tido em conta na abordagem da guerra. E, por vezes, os próprios pais não sabem lidar com a matéria muito melhor do que a criança. Mas o fundamental, alertam, é que os meninos não fiquem "entregues a imagens duras" sem qualquer tentativa de enquadramento.

Até porque, ao contrário do que muitos pensam, diz Manuel Pinto, "as crianças adquirem muito cedo a distinção entre realidade e ficção. Portanto aos cinco, seis anos, a criança percebe que aquilo que vê foi feito por alguém real a alguém real".

Todavia, as explicações oferecidas pela família, ou pela escola, não devem ser dramatizadas. Sara Pereira adianta que a dramatização "aumenta os medos e receios", pelo que a explicação do que está a passar-se deve ser "o mais natural possível".

Um "papel fundamental", segundo os dois académicos, cabe à escola. Os professores podem e devem comentar a actualidade, com um tom tranquilizador - cumprindo assim uma tarefa decisiva para a qual a escola poderá, em certos casos, estar mais dotada do que a família.

Manuel Pinto adverte ainda para a oportunidade de, ao conversar sobre o assunto, "fazer saltar inquietações e angústias que surgem naturalmente", ao mesmo tempo que se "ajuda a ler o significado das coisas". Regista, por isso, um "efeito de apetrechamento de quadros de entendimento", a "oportunidade de enunciar aspectos que ficaram confusos" para a criança. Outro meio de chegar aos mais pequenos é valorizar a sua auto-expressão do problema com várias linguagens, caso de pintura, escrita ou colagens, sugere o investigador.

Fazer um enquadramento geográfico do conflito pode também ter um primeiro efeito bastante tranquilizador, uma vez que os meninos são sensíveis a questões de proximidade e distância, acrescenta Sara Pereira.

A ocasião pode ainda ser usada, junto de crianças mais crescidas, para abordar a informação e o jornalismo. Por exemplo, o que são as notícias; que informações sobre a guerra chegam a cada país e porque são diferentes conforme o público a que se destinam.

Manuel Pinto aponta ainda o dedo às estações de TV que têm feito uma "exibição pornográfica" da guerra. E defende o autocontrolo dos "media" a par da intervenção de organismos de regulação. Além de não procurarem "outros pontos de atracção e interesse para as crianças", as TV deveriam ter o cuidado de "editar e enquadrar" melhor a informação. Até porque se ouvem "muitos especialistas militares e de estratégia e falta quem explique o enquadramento político, social e cultural".

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