Público  - 26 Set 08

 

Vivemos nas nuvens
Vasco Pulido Valente

 

Pela primeira vez na história americana recente, a campanha presidencial é interrompida por causa de uma crise económica. Claro que John McCain, que tomou a iniciativa (com o acordo parcial de Obama), também tenta ganhar votos com um gesto dramático. O eleitorado considera o Partido Republicano, e sobretudo Bush, há oito anos no poder, culpados do desastre e Obama está à frente nas sondagens. Nada melhor do que uma exibição de patriotismo - a América acima da política - para reequilibrar as coisas. Mas não se trata só disso, tanto McCain como Obama querem proclamar e acentuar a gravidade da situação e não permitir que o Presidente, a três meses de se ir embora, fabrique, como de costume, outra catástrofe, de que um deles seria com certeza a vítima.

 

O problema imediato é garantir a autorização do Congresso para o "empréstimo" de 700 mil milhões de dólares, com que Bush aparentemente resolveu "salvar" o mercado financeiro. Ao contrário do que por aí insinua, com grande gozo ideológico, uma certa esquerda, o Congresso não está inclinado para a "nacionalização dos prejuízos" da banca e dos seguros. Fazer o contribuinte pagar a irresponsabilidade dos "privados" não é uma ideia popular. Obama pôs quatro condições. Primeira: que o Congresso decida quem recebe quanto. Segunda: que os beneficiários terão de pagar o que lhes derem até ao último tostão. Terceiro: que nenhum dinheiro, sob forma alguma (indemnizações, pensões, gratificações), irá parar às mãos do pessoal dirigente, responsável pela catástrofe. E quarto: que uma nova lei de habitação compense, ou alivie, os milhões de americanos prejudicados pelo subprime. McCain, pelo menos no essencial, concorda com isto.

 

A crise não é "o fim do mundo como o conhecemos". Mas causou estragos e, provavelmente, causará mais. Não justifica a complacência da direita, nem o entusiasmo da esquerda. Obama e McCain pararam a campanha para procurar uma posição comum. Em Portugal, esta quarta-feira, no debate da Assembleia da República, o eng. Sócrates não achou necessário explicar os riscos que o país corre e que medidas se tomaram (ou não tomaram) para os diminuir ou eliminar. A Assembleia discutiu a criminalidade e, à saída, o eng. Sócrates lamentou brevemente a falta de "supervisão dos mercados" e falou no horrível pecado da "ganância". O PSD e o PP não disseram nada. Vivemos nas nuvens.