Um fenómeno sintomático do moderno audiovisual é o
êxodo dos jovens da televisão para a Internet
Na passada segunda-feira
liguei a televisão na RTP1 para ver o programa da
Fátima Campos Ferreira e apareceu-me, em vez dele,
um jogo do Paços de Ferreira. O prós era o Paços de
Ferreira e o contras era o Benfica. O futebol ameaça
tornar-se omnipresente na televisão pública, agora
que os direitos da "Liga Sagres" foram adquiridos
pela RTP até ao ano de 2010.
Embora não desgoste de ver uma boa partida de
futebol, confesso que desliguei a televisão e me
liguei à Internet para "blogar". Não penso que a
transmissão de futebol profissional seja serviço
público. Se me tivessem perguntado - infelizmente
não perguntaram -, teria dito que o dinheiro dos
impostos não devia alimentar os nebulosos negócios
da bola. Aliás, nos países mais desenvolvidos, esse
tipo de jogos passa só em canais pagos e só vê quem
estiver disposto a pagar.
Não fui só eu que abandonei a televisão que, cheia
de futebol, novelas e reality shows, está imprópria
para consumo. Com efeito, um dos fenómenos mais
sintomáticos do moderno audiovisual tem sido o êxodo
das camadas mais jovens da população da televisão
para a Internet. Em Portugal, tal como no resto da
Europa, os jovens já passam mais tempo no computador
do que diante da TV, já preferem o YouTube aos
Morangos com Açúcar. Quem a viu já não a vê!
Bem sei que a televisão continua, entre nós, a ser
consumida em demasia. Portugal é dos países europeus
com maior dependência da "caixa mágica". Li algures
na Internet que só existem, em todo o país, 1400
casas sem televisão. Segundo estatísticas do
Observatório Europeu do Audiovisual de 2004, somos
até, de todos os países europeus, aquele onde há
mais casas com pelo menos duas televisões (71 por
cento de lares têm dois ou mais aparelhos). Segundo
dados da Marktest de 2008, a nossa média de consumo
diário de televisão é de três horas e 37 minutos. E
as pessoas com mais de 65 anos passam, em cada dia,
mais de cinco horas e meia em frente ao televisor.
Contudo, o comportamento dos jovens - e não só -
indicia que o público começa a estar farto de ter
cada vez mais do mesmo, quando ao lado há
alternativa...
Os chamados "canais generalistas", TVI, RTP e SIC,
na ganância de captarem audiências e maximizarem os
lucros, escusam de descer mais para mostrar que não
há limites para o telelixo. Já o mostraram e
demonstraram. Se os jogos são maus, as novelas são
piores e - a verdade seja dita, paguem-me ou não -
os reality shows são péssimos. Já não é só o corpo
que se vende, mas a alma. Quanto aos noticiários,
chegam a estender-se por mais de uma hora, como não
acontece em mais nenhum país civilizado, relatando a
rotura de um cano e a fuga de um gato. Uma das
medidas mais fáceis em prol do desenvolvimento
poderia ser imediata: encolher os noticiários,
escolhendo as notícias. Ao argumento useiro e
vezeiro de que as audiências só querem a falta e o
penálti, traição e ciúme, a verdade e a mentira, o
cano e o gato, já respondeu o filósofo Karl Popper
em Televisão, Um Perigo para a Democracia (Gradiva,
1995): "Nada no seio da democracia proíbe as pessoas
mais instruídas de comunicarem o seu saber às que o
são menos. Pelo contrário, a democracia sempre
procurou elevar o nível da educação; é essa a sua
autêntica aspiração."
Dizem que foi o Governo que mandou comprar os
direitos do futebol. Não me admirava nada, pois,
para distrair da crise, o povo sempre pode ver uns
jogos. Também pouca gente se admirará que haja
cuidada e atempada intervenção governamental no
concurso do quinto canal generalista, um grande
negócio a avaliar pela voracidade das partes
interessadas (Portugal Telecom, Zon, Controlinvest e
Cofina, curiosamente os dois últimos com ligações ao
futebol). Noutro megaconcurso que já decorreu, o da
televisão digital terrestre, que vai implicar todos
os canais, ninguém se admirou com a concessão à
Portugal Telecom, onde o Estado tem uma golden share.
Vai haver ainda mais televisão, mais falta e penálti,
ciúme e traição, verdade e mentira, cano e gato. Mas
vamos nós vê-la? Professor universitário