Se uma pessoa rouba um banco é corrupto ou bate num
amigo é considerado um bandido, um canalha, um
miserável. Mas abandonar cônjuge e filhos não é
minimamente criticável.
Actualmente já ninguém diz que um homem sério e
digno nunca largará a sua família por piores que
sejam as dificuldades. Já ninguém pensa que uma
mulher que se preze não deixa marido e filhos
quaisquer que sejam as circunstâncias. Estas
certezas, que guiaram a nossa sociedade durante
séculos, são relíquias antiquadas e obsoletas.
Dizer a alguém que saiu de casa que ele é um
devasso, um crápula, é algo que nem sequer nos passa
pela cabeça. E se passasse, seria imediatamente
criticado como inaceitável violação da liberdade e
privacidade. Se essa pessoa fumar em locais fechados
ou contribuir para o aquecimento global será
severamente censurado. Mas faltar aos deveres
conjugais e paternais é algo normal, comum,
desculpável. Agora até a lei, tão asfixiante noutros
assuntos, criou os casamentos descartáveis e os
divórcios «simplex».
Casar e ter filhos é hoje igualzinho ao que sempre
foi. As juras de amor continuam eternas e a
infidelidade permanece a suprema traição. Repudiar
estas promessas e largar estes compromissos
mantém-se uma infâmia inqualificável. Que alguns
displicentemente classificam como modernidade
progressiva.
Hoje somos severos com os tempos antigos e
ridicularizamos marialvas pedantes e românticas
vitorianas. Um dia os nossos descendentes olharão
com muita estranheza e repúdio este tempo incrível
em que o egoísmo e a luxúria tentaram atingir a
respeitabilidade.