Há uma semana, no dia em que a falência da Lehman
Brothers inaugurava uma semana negra nos mercados
financeiros, o ministro português da Economia
recebia em Lisboa o magnata britânico Richard
Branson. E, a páginas tantas, Branson deixou cair
que até poderia fazer uma base para voos turísticos
espaciais em território português, nos próximos três
a quatro anos. Instalou-se o delírio.Há uma semana,
no dia em que a falência da Lehman Brothers
inaugurava uma semana negra nos mercados
financeiros, o ministro português da Economia
recebia em Lisboa o magnata britânico Richard
Branson. E, a páginas tantas, Branson deixou cair
que até poderia fazer uma base para voos turísticos
espaciais em território português, nos próximos três
a quatro anos. Instalou-se o delírio. Em particular
entre os jornalistas, que cercaram o ministro
perguntando-lhe se já sabia, se estava de acordo,
tudo assim muito numa de Portugal é que é bom. Wall
Street cai a pique? Nós sonhamos com uma base
espacial. Em Vilamoura, para ser no All-Garve? Na
Ota - ou já agora em Alcochete?
O suave delírio prosseguiu durante a semana. Na
imprensa internacional, seguia-se, dia a dia, a
descrição de um tsunami em directo. Mas por cá, tal
como já sucedia quando mandava o prof. Salazar, as
coisas desagradáveis parecem parar em Badajoz.
Peremptório, o ministro Pinho decretou que a crise
não chegaria até cá. Anunciou também que o preço dos
combustíveis tinha de baixar. Nenhuma das hipóteses
estava certa. Entretanto, o ano parlamentar
arrancou. E era lícito esperar que a crise económica
estivesse na agenda dos deputados que daqui a
algumas semanas irão votar o novo Orçamento. Nem por
isso. A lei do divórcio, os casamentos homossexuais,
o estatuto dos Açores ou a sempiterna criminalidade
fizeram o grosso da primeira refeição parlamentar do
ano. Isto, claro, para além da questão do preço dos
combustíveis. Tudo questões importantes: mas era a
economia que estava na primeira linha das
preocupações de todos. E isso não acontecia só em
Wall Street.
Não é necessariamente a falência do capitalismo que
está em causa ou a derrota final do liberalismo. Em
tempo de guerra, já se sabe, não se olha a
ideologias e os americanos são mais pragmáticos do
que ideológicos. Mas para além do horizonte do curto
prazo, o das medidas para salvar o sistema
financeiro, há um problema de longo prazo: como é
que se reorganiza a economia num cenário de crise
financeira, de desaceleração do crescimento e de
crise energética? Não é só em Portugal que existe a
doença das agendas políticas a curto prazo.
A questão do preço dos combustíveis não deixa de
fazer parte dessa agenda do curto prazo. Ela é
razoável no sentido em que revela uma ausência total
de funcionamento do mercado. Este, em princípio, é
como um elevador, anda nos dois sentidos. Isso não
acontece com o mercado das petrolíferas em Portugal.
Criou-se uma situação intolerável; mas esta é também
uma matéria em que o país discute o acessório. E
isso nota-se mais quando essa discussão acontece com
a crise internacional em pano de fundo.
Devíamos estar à procura de uma política efectiva
para a questão energética. Mas preferimos as medidas
simbólicas, como o dia sem carros (que tem maior
adesão em Portugal do que na Suécia ou na Holanda,
vá-se lá saber porquê), às políticas substantivas.
Do mesmo modo, numa semana classificada como a pior
de sempre nos mercados internacionais desde 1929,
esperávamos que em Portugal se discutissem os
efeitos da crise e as políticas para a enfrentar.
Para o Governo, evidentemente, em ano de eleições,
só contam as boas notícias - como desejar que o
preço dos combustíveis desça, mesmo que este não
mude. Mas o tema também passou ao lado da oposição -
deve ser o tal síndroma de que as desgraças
estacionam em Badajoz. Podemos entreter-nos a sonhar
com uma base de voos espaciais para daqui a três ou
quatro anos. De qualquer modo a Nação, essa, já está
há muito tempo em órbita. Mesmo sem uma base
espacial. Jornalista