Público  - 23 Set 08

 

A nação em órbita
Miguel Gaspar

 

Há uma semana, no dia em que a falência da Lehman Brothers inaugurava uma semana negra nos mercados financeiros, o ministro português da Economia recebia em Lisboa o magnata britânico Richard Branson. E, a páginas tantas, Branson deixou cair que até poderia fazer uma base para voos turísticos espaciais em território português, nos próximos três a quatro anos. Instalou-se o delírio.Há uma semana, no dia em que a falência da Lehman Brothers inaugurava uma semana negra nos mercados financeiros, o ministro português da Economia recebia em Lisboa o magnata britânico Richard Branson. E, a páginas tantas, Branson deixou cair que até poderia fazer uma base para voos turísticos espaciais em território português, nos próximos três a quatro anos. Instalou-se o delírio. Em particular entre os jornalistas, que cercaram o ministro perguntando-lhe se já sabia, se estava de acordo, tudo assim muito numa de Portugal é que é bom. Wall Street cai a pique? Nós sonhamos com uma base espacial. Em Vilamoura, para ser no All-Garve? Na Ota - ou já agora em Alcochete?

 

O suave delírio prosseguiu durante a semana. Na imprensa internacional, seguia-se, dia a dia, a descrição de um tsunami em directo. Mas por cá, tal como já sucedia quando mandava o prof. Salazar, as coisas desagradáveis parecem parar em Badajoz. Peremptório, o ministro Pinho decretou que a crise não chegaria até cá. Anunciou também que o preço dos combustíveis tinha de baixar. Nenhuma das hipóteses estava certa. Entretanto, o ano parlamentar arrancou. E era lícito esperar que a crise económica estivesse na agenda dos deputados que daqui a algumas semanas irão votar o novo Orçamento. Nem por isso. A lei do divórcio, os casamentos homossexuais, o estatuto dos Açores ou a sempiterna criminalidade fizeram o grosso da primeira refeição parlamentar do ano. Isto, claro, para além da questão do preço dos combustíveis. Tudo questões importantes: mas era a economia que estava na primeira linha das preocupações de todos. E isso não acontecia só em Wall Street.

 

Não é necessariamente a falência do capitalismo que está em causa ou a derrota final do liberalismo. Em tempo de guerra, já se sabe, não se olha a ideologias e os americanos são mais pragmáticos do que ideológicos. Mas para além do horizonte do curto prazo, o das medidas para salvar o sistema financeiro, há um problema de longo prazo: como é que se reorganiza a economia num cenário de crise financeira, de desaceleração do crescimento e de crise energética? Não é só em Portugal que existe a doença das agendas políticas a curto prazo.

 

A questão do preço dos combustíveis não deixa de fazer parte dessa agenda do curto prazo. Ela é razoável no sentido em que revela uma ausência total de funcionamento do mercado. Este, em princípio, é como um elevador, anda nos dois sentidos. Isso não acontece com o mercado das petrolíferas em Portugal. Criou-se uma situação intolerável; mas esta é também uma matéria em que o país discute o acessório. E isso nota-se mais quando essa discussão acontece com a crise internacional em pano de fundo.

 

Devíamos estar à procura de uma política efectiva para a questão energética. Mas preferimos as medidas simbólicas, como o dia sem carros (que tem maior adesão em Portugal do que na Suécia ou na Holanda, vá-se lá saber porquê), às políticas substantivas.

 

Do mesmo modo, numa semana classificada como a pior de sempre nos mercados internacionais desde 1929, esperávamos que em Portugal se discutissem os efeitos da crise e as políticas para a enfrentar. Para o Governo, evidentemente, em ano de eleições, só contam as boas notícias - como desejar que o preço dos combustíveis desça, mesmo que este não mude. Mas o tema também passou ao lado da oposição - deve ser o tal síndroma de que as desgraças estacionam em Badajoz. Podemos entreter-nos a sonhar com uma base de voos espaciais para daqui a três ou quatro anos. De qualquer modo a Nação, essa, já está há muito tempo em órbita. Mesmo sem uma base espacial. Jornalista