Um livro que um dos meus filhos anda a ler tem um
título pomposo - Cultura - e um subtítulo improvável
Tudo o que É Preciso Saber - despertou-me a
curiosidade até por o autor ser alemão - Dietrich
Schwanitz. O livro é até interessante, apesar de
redutor. Mas o que me levou a citá-lo foi o facto de
a descrição com que deparei sobre o estado do ensino
na Alemanha ser completamente aplicável à situação
portuguesa. E eu sou professora, implicada e
aplicada a compreender as razões do desconforto de
todos.
Depois de se referir ao desprezo a que os
professores são votados pelas outras classes
profissionais pelo facto de não terem saído do
sistema de ensino e de todos se lembrarem "com
especial precisão" dos maus professores, diz o autor
o seguinte: "Mas este desprezo é injusto face a uma
tarefa que nem um gestor experiente nem um
empresário com nervos de aço haveria de aguentar
durante uma manhã sem pensar em fugir: nomeadamente
a de levar uma horda de selvagens sem interesse na
aprendizagem, mal-educados e habituados ao
entretenimento televisivo a interessarem-se pela
sublimidade do Idealismo alemão, enquanto estes não
pensam noutra coisa senão em organizar ataques à
dignidade do professor. Ninguém fora do recinto
escolar faz uma pequena ideia deste combate diário
contra a insolência pura e simples, a maldade sádica
e a crueza mental."
Para os que, de forma politicamente correcta, acham
que há exagero nestas afirmações, lembro que as
atitudes referidas, não sendo gerais, são
frequentes. Li há tempos um relato aterrador de uma
professora que, sofrendo do coração, foi recebida
com este mimo à entrada de uma aula de substituição:
"Vai-te embora, velha!" ou "Que vens pràqui fazer,
velha?" ao abrigo do anonimato que estas situações
de bulício generalizado permitem. A senhora sofreu
mesmo um ataque cardíaco. Mas o que a seguir se diz
é também interessante: "E o que é pior é que o
professor ainda por cima tem de suportar que lhe
sejam apontadas responsabilidades pela rudeza e
falta de educação dos seus alunos: ele próprio tem a
culpa; ele é que não tem mão na turma, os alunos não
"curtem" as suas aulas, pelo contrário, sentem-se
maçados. (...) O seu comportamento é unicamente
imputado às aulas, ao passo que, na realidade,
padecem de falta de capacidade de concentração e de
défices educacionais de fabrico caseiro. (...) Ora
como os professores são oficialmente culpados pelos
seus próprios problemas, são empurrados para a via
da mentira; fazem segredo das suas dificuldades.
(...) Fingem-se bem sucedidos e fazem de conta que
não têm problemas. Na realidade muitos de entre eles
encontram-se profundamente desmoralizados." Fim da
longa citação.
O que vem a seguir é ainda mais espantoso porque,
sendo, na Alemanha, os directores das escolas
escolhidos, como se diz, quase sempre pela sua
filiação partidária, seríamos levados a pensar que
em Portugal as consequências de tal politização
seriam inexistentes. Ora elas são absolutamente
iguais. Vejamos: "O partido que se encontra no
governo (...) serve-se da política de ensino para
ter alguma coisa para apresentar na próxima campanha
eleitoral: uma nova medida, uma nova concepção
apaixonante, um novo rótulo interessante. Deste modo
a escola, que necessita de poder fazer planificações
de longo prazo, é mantida em ebulição por sucessivos
eventos-fantasma: aulas interdisciplinares,
projectos, novas constituições escolares, modelos de
gestão partilhada, formas de envolver os pais."
(...)
O autor atribui este estado deplorável do ensino ao
facto de se terem perdido as referências e de não se
saber o que ensinar e com que finalidade. Eu julgo
que há mais qualquer coisa e não me admirava nada
que fosse, pura e simplesmente, a necessidade de o
partido político que está no poder assegurar que lá
continuará ou que lá voltará qualquer dia. É preciso
sossegar os pais que são os votantes mais numerosos:
a culpa é dos outros, nunca da educação que estão a
ministrar aos filhos, ou da falta de regras em casa,
do permanente acesso a distracções a que sujeitam as
crianças para que não os aborreçam. Estamos a criar
indivíduos que não são capazes de prestar atenção a
nenhum assunto por mais de dois ou três minutos e
este estado de coisas está a avançar cada vez mais
no nível etário. A incapacidade de se interessarem
por qualquer assunto além dos telemóveis, das
comédias, do sexo ou dos Morangos com Açúcar é
generalizada, excepto nos casos em que os pais têm
maior discernimento. Como eu costumo dizer aos meus
alunos, é raro um filho de professor, de médico,
etc., ser mau aluno. Será que são mais inteligentes?
Maria Virgínia Pereira
Matosinhos
cartasdirector@publico.pt