É indispensável maior racionalidade nos gastos,
pensando no futuro
Mais de dois terços dos portugueses têm dificuldade
em pagar as contas no fim do mês - pior, na UE, só a
Bulgária. O rendimento disponível de muitas famílias
baixa com o fraco crescimento da economia e dos
salários, a alta dos preços, os impostos, o
desemprego e sobretudo o endividamento - que subiu,
em parte, para manter certos níveis de consumo,
apesar da quebra dos rendimentos familiares.
O nosso endividamento médio equivale hoje a 130% do
rendimento familiar disponível (20% em 1990), valor
apenas superado na UE pela Holanda. Mas os
holandeses têm sobretudo créditos a taxa fixa,
enquanto quase todos os nossos são a taxa variável,
aumentando os encargos com a subida dos juros.
Assim, não admira que a taxa de poupança das
famílias portuguesas esteja no ponto mais baixo da
última década. Até porque, além do aperto
financeiro, há outros factores que induzem a poupar
menos.
Por um lado, com a universalização da previdência,
instalou-se na sociedade portuguesa a ideia de que o
Estado trata da nossa saúde e da nossa reforma.
Desvaneceu-se o antigo instinto de pôr algum
dinheiro de lado para os imprevistos da vida, mesmo
quando quem assim poupava tinha fracos rendimentos.
E muitos ainda não repararam que aquela antiga
atitude tem de voltar, pois a situação financeira do
Estado e da Segurança Social limitará cada vez mais
os apoios. Há mais gente a fazer Planos de Poupança
Reforma, mas não chega.
Por outro lado, os incentivos à poupança são
escassos entre nós. Os certificados de aforro pagam
menos desde Janeiro, levando a que no primeiro
semestre 25 mil aforradores os abandonassem; 1230
milhões de euros foram levantados, entrando apenas
764 milhões, tendência que se agravou em Julho. As
contas poupança-habitação ficaram sem incentivos
fiscais. Este ano, os fundos de investimento
perderam 23 por cento dos activos. Com a bolsa em
derrocada e o imobiliário em crise, restam alguns
depósitos a prazo para as poupanças não serem
comidas pela inflação. É curto.
Numa altura em que a protecção social pública - na
saúde, nas pensões, etc. - se torna menos generosa
por causa do envelhecimento da população e do fraco
crescimento económico, a quebra na poupança das
famílias é preocupante. A ilusão de que o Estado
tomará conta de nós nas dificuldades poderá sair
cara, no desemprego, na doença e na velhice.
Hoje, a maioria das famílias portuguesas apenas
poderá poupar um pouco mais se cortar no consumo,
que já está a abrandar fortemente. Mas só haverá
mais poupança se os cortes forem maiores, o que
implica alterar padrões de vida. Por outras
palavras, muita gente tem de diminuir ainda mais o
consumo.
Eu sei como é às vezes hipócrita a crítica ao
consumismo - os críticos vivem bem, mas não querem o
mesmo para os outros, até porque isso os pode
prejudicar. Por exemplo, quem possui automóvel há
décadas lamenta que tanta gente disponha hoje de
carro, engarrafando o trânsito e o estacionamento.
Também compreendo que quem tenha um passado, pessoal
ou familiar, de pobreza pretenda afastar essa
memória, agarrando-se a símbolos de prosperidade e
de status social, como o automóvel ou férias no
estrangeiro. E as necessidades evoluem com a
habituação a novas comodidades - há 30 anos os
carros não tinham ar condicionado, hoje raros o
dispensam.
Mas uma certa moderação no consumo e uma maior
preocupação em evitar gastos são indispensáveis.
Isso significa, por exemplo, planear com mais
cuidado as finanças familiares, não pensando apenas
no presente. E perceber a irracionalidade (pesando
custos e benefícios) de procurar ter sempre o último
e mais sofisticado telemóvel, para uso intensivo de
duvidosa utilidade. Ou multiplicar o número de
carros por família. Ou, ainda, ir a restaurantes
quando tal não é necessário. Estes exemplos
correspondem a áreas onde, em média, os gastos dos
portugueses são superiores aos de muitos outros
europeus, bem mais ricos.
A moderação no consumo poderá ser deliberada,
permitindo a poupança. Ou será imposta pela
realidade económica: a certa altura, o crédito
acaba. Daí pode resultar uma tragédia não só
pessoal, mas também colectiva, caso se feche a
torneira do crédito estrangeiro que alimenta os
nossos bancos. Mais vale, então, as pessoas gastarem
com maior racionalidade. Ainda que tal implique, em
alguma medida, mudar de vida. Jornalista