Nem tudo se ganha ou perde nos telejornais José Manuel Fernandes
Será que alguém acredita que os portugueses estão
mais tranquilos desde que o Governo mandou a polícia
com helicópteros para os bairros problemáticos para
apanhar umas gramitas de haxixe?
Existe a convicção entre muitos políticos que, se
dominarem a agenda mediática, controlarem o fluxo de
informação e condicionarem a comunicação social, têm
meio caminho andado, senão mesmo todo o caminho
andado, para se manterem no poder. Isso é quase
sempre mais forte quando se está no Governo (que tem
mais poder e mais instrumentos, para além de tutelar
a comunicação social pública), mas a crença também
afecta os que vivem mal sem aparições regulares na
televisão, na rádio e nos jornais.
O fenómeno não é novo, mas são abundantes os
elementos que mostram terem os órgãos de informação
menos influência na formação da opinião dos cidadãos
do que muitos políticos pensam. Mesmo a poderosa
televisão que, está mais do que provado, não
consegue vender um Presidente como quem vende
sabonetes, para citar Emídio Rangel.
Há uns 20 anos, por exemplo, muitos dirigentes
socialistas entraram em fúria irreprimível porque um
semanário já desaparecido, O Jornal, fez uma capa
onde se interrogava sobre o que tinha sucedido a
Victor Constâncio, que dizia ter "desaparecido" da
cena política. Alguns ainda atribuem a tal capa o
funesto destino do actual governador do Banco de
Portugal, que pouco tempo se aguentou à frente do PS
mas por motivos bem diferentes.
Já nessa altura o que se escrevia ou não escrevia, o
que se mostrava e o que se escondia tinha
naturalmente importância, mas muito menos do que a
lhe é atribuída de uma forma geral. Podia dar
múltiplos exemplos portugueses e estrangeiros de
políticos que foram eleitos mesmo tendo contra si a
maioria dos órgãos de informação e do sistema
mediático, assim como de políticos que mesmo tudo
fazendo para influenciar, ou mesmo controlar a
imprensa não deixaram por isso de cair em desgraça.
Em última análise os eleitores, sobretudo os
eleitores nestes dias em que as fidelidades
partidárias são menos fortes, acabam por decidir em
função do que os políticos fazem e não apenas do que
os jornais e as televisões dizem que eles fazem. E
os que caíram por causa de revelações jornalísticas
(a lista é imensa em todo o mundo) não caíram porque
lhes teceram armadilhas ou fizeram campanhas
orquestradas: caíram porque cometeram erros, às
vezes crimes, que a comunicação social noticiou, por
vezes após longas investigações, mas que, se se
provassem não terem fundamento, não teriam feito as
vítimas que fizeram.
É por isso caricata a preocupação da silly season
que, oficialmente, termina hoje - ou seja, saber por
onde andava Manuela Ferreira Leite (tema que rendeu
notícias sem fim sem que esta tenha alterado o seu
comportamento) ou o que é feito de José Sócrates,
que, tendo regressado de férias a meio do mês, só
apareceu em público com alguma coisa para dizer numa
sessão (mal conseguida) de criação de postos de
trabalho em call centers no Norte do país.
Poderíamos gostar, e gostaríamos, de ter ouvido ao
chefe do Governo e à líder da oposição alguma coisa
de substancial sobre temas como a invasão da Geórgia
ou a preocupação dos cidadãos com a criminalidade, e
até podemos achar que tinham esse dever para com os
portugueses e não apenas para com os seus partidos.
Mas é duvidoso que o julgamento dos eleitores se
faça porque estiveram muito calados em Agosto, a não
ser de forma marginal. Tal como é duvidoso que o
activismo de outros dirigentes políticos neste
período tenha alterado de forma substancial aquilo
que os portugueses pensavam sobre eles.
Veja-se o que se passou com Santana Lopes, que não
respirava se não tivesse uma presença regular na
televisão, que se dizia imbatível em televisão e que
depois caiu da forma como caiu. Ou medite-se na
experiência de Manuel Maria Carrilho, que ainda hoje
acha que os votos que perdeu ao ter-se recusado a
cumprimentar, depois de um debate televisivo,
Carmona Rodrigues são culpa de a televisão ter
passado as imagens e não consequência do facto de o
seu comportamento grosseiro ter revelado a muitos
eleitores que tipo de homem e político era.
Mesmo assim não se desiste de tentar enganar com
papas e bolos os tolos, como se essa fosse a
característica dominante dos portugueses. Os últimos
dias têm sido, neste domínio, reveladores.
Sem ter encontrado boas saídas ou uma mensagem
correcta para dar aos portugueses sobre a vaga de
crimes das últimas semanas, o Governo, via
Ministério da Administração Interna, passou a
dedicar-se ao circo das "mega-operações". Noite após
noite profissionais que deveriam estar a desempenhar
as suas missões regulares têm sido mobilizados para
operações de cerco a bairros problemáticos com o
único objectivo de mostrar que "a polícia não
dorme". A improvisação parece ser total - o
resultado da primeira operação foi tão diminuto que
nem foi mostrado aos jornalistas... -, mas o "tempo
de antena" tem estado garantido.
Na noite de sábado para domingo, por exemplo, quase
600 agentes da PSP e da GNR andaram nessas operações
para deterem 43 pessoas, a maioria das quais, como
se esperaria, tratando-se de uma noite de
fim-de-semana, foi parar às esquadras por conduzirem
alcoolizadas. Foram ainda apanhadas umas brasileiras
sem papéis, uns adolescentes sem carta e outras
miudezas. Armas, só brancas. Mesmo assim mais do que
nos dias anteriores, diga-se de passagem. Mas tão
completamente ridículo que os tais tolinhos que
fazem estas encenações já devem estar a dormir mais
descansados. Mas só os tais tolinhos, que não devem
ser muitos. Os outros até já comentam nos cafés do
ridículo deste activismo para televisão ver.
É pena que ainda se pense que coisas destas
resultam: a prazo até podem fazer bem pior do que o
tão criticado silêncio dos responsáveis políticos.