Público - 01 Set 08

 

Nem tudo se ganha ou perde nos telejornais
José Manuel Fernandes

 

Será que alguém acredita que os portugueses estão mais tranquilos desde que o Governo mandou a polícia com helicópteros para os bairros problemáticos para apanhar umas gramitas de haxixe?

 

Existe a convicção entre muitos políticos que, se dominarem a agenda mediática, controlarem o fluxo de informação e condicionarem a comunicação social, têm meio caminho andado, senão mesmo todo o caminho andado, para se manterem no poder. Isso é quase sempre mais forte quando se está no Governo (que tem mais poder e mais instrumentos, para além de tutelar a comunicação social pública), mas a crença também afecta os que vivem mal sem aparições regulares na televisão, na rádio e nos jornais.

 

O fenómeno não é novo, mas são abundantes os elementos que mostram terem os órgãos de informação menos influência na formação da opinião dos cidadãos do que muitos políticos pensam. Mesmo a poderosa televisão que, está mais do que provado, não consegue vender um Presidente como quem vende sabonetes, para citar Emídio Rangel.

 

Há uns 20 anos, por exemplo, muitos dirigentes socialistas entraram em fúria irreprimível porque um semanário já desaparecido, O Jornal, fez uma capa onde se interrogava sobre o que tinha sucedido a Victor Constâncio, que dizia ter "desaparecido" da cena política. Alguns ainda atribuem a tal capa o funesto destino do actual governador do Banco de Portugal, que pouco tempo se aguentou à frente do PS mas por motivos bem diferentes.

 

Já nessa altura o que se escrevia ou não escrevia, o que se mostrava e o que se escondia tinha naturalmente importância, mas muito menos do que a lhe é atribuída de uma forma geral. Podia dar múltiplos exemplos portugueses e estrangeiros de políticos que foram eleitos mesmo tendo contra si a maioria dos órgãos de informação e do sistema mediático, assim como de políticos que mesmo tudo fazendo para influenciar, ou mesmo controlar a imprensa não deixaram por isso de cair em desgraça.

 

Em última análise os eleitores, sobretudo os eleitores nestes dias em que as fidelidades partidárias são menos fortes, acabam por decidir em função do que os políticos fazem e não apenas do que os jornais e as televisões dizem que eles fazem. E os que caíram por causa de revelações jornalísticas (a lista é imensa em todo o mundo) não caíram porque lhes teceram armadilhas ou fizeram campanhas orquestradas: caíram porque cometeram erros, às vezes crimes, que a comunicação social noticiou, por vezes após longas investigações, mas que, se se provassem não terem fundamento, não teriam feito as vítimas que fizeram.

 

É por isso caricata a preocupação da silly season que, oficialmente, termina hoje - ou seja, saber por onde andava Manuela Ferreira Leite (tema que rendeu notícias sem fim sem que esta tenha alterado o seu comportamento) ou o que é feito de José Sócrates, que, tendo regressado de férias a meio do mês, só apareceu em público com alguma coisa para dizer numa sessão (mal conseguida) de criação de postos de trabalho em call centers no Norte do país.

 

Poderíamos gostar, e gostaríamos, de ter ouvido ao chefe do Governo e à líder da oposição alguma coisa de substancial sobre temas como a invasão da Geórgia ou a preocupação dos cidadãos com a criminalidade, e até podemos achar que tinham esse dever para com os portugueses e não apenas para com os seus partidos. Mas é duvidoso que o julgamento dos eleitores se faça porque estiveram muito calados em Agosto, a não ser de forma marginal. Tal como é duvidoso que o activismo de outros dirigentes políticos neste período tenha alterado de forma substancial aquilo que os portugueses pensavam sobre eles.

 

Veja-se o que se passou com Santana Lopes, que não respirava se não tivesse uma presença regular na televisão, que se dizia imbatível em televisão e que depois caiu da forma como caiu. Ou medite-se na experiência de Manuel Maria Carrilho, que ainda hoje acha que os votos que perdeu ao ter-se recusado a cumprimentar, depois de um debate televisivo, Carmona Rodrigues são culpa de a televisão ter passado as imagens e não consequência do facto de o seu comportamento grosseiro ter revelado a muitos eleitores que tipo de homem e político era.

 

Mesmo assim não se desiste de tentar enganar com papas e bolos os tolos, como se essa fosse a característica dominante dos portugueses. Os últimos dias têm sido, neste domínio, reveladores.

 

Sem ter encontrado boas saídas ou uma mensagem correcta para dar aos portugueses sobre a vaga de crimes das últimas semanas, o Governo, via Ministério da Administração Interna, passou a dedicar-se ao circo das "mega-operações". Noite após noite profissionais que deveriam estar a desempenhar as suas missões regulares têm sido mobilizados para operações de cerco a bairros problemáticos com o único objectivo de mostrar que "a polícia não dorme". A improvisação parece ser total - o resultado da primeira operação foi tão diminuto que nem foi mostrado aos jornalistas... -, mas o "tempo de antena" tem estado garantido.

 

Na noite de sábado para domingo, por exemplo, quase 600 agentes da PSP e da GNR andaram nessas operações para deterem 43 pessoas, a maioria das quais, como se esperaria, tratando-se de uma noite de fim-de-semana, foi parar às esquadras por conduzirem alcoolizadas. Foram ainda apanhadas umas brasileiras sem papéis, uns adolescentes sem carta e outras miudezas. Armas, só brancas. Mesmo assim mais do que nos dias anteriores, diga-se de passagem. Mas tão completamente ridículo que os tais tolinhos que fazem estas encenações já devem estar a dormir mais descansados. Mas só os tais tolinhos, que não devem ser muitos. Os outros até já comentam nos cafés do ridículo deste activismo para televisão ver.

 

É pena que ainda se pense que coisas destas resultam: a prazo até podem fazer bem pior do que o tão criticado silêncio dos responsáveis políticos.