O Fórum Económico Mundial (Davos) estabeleceu o
ranking da Competitividade Global no Mundo, em 2006.
O PÚBLICO e o Diário de Notícias descrevem de forma
diferente os factos. A notícia do primeiro é mais
objectiva e rigorosa do que a do segundo, que em
manchete atribui ao sector privado a
responsabilidade da queda de posição, o que parece
ser apenas parte da verdade, e seguramente a menos
importante.
Seja como for, o facto objectivo é que não piorámos
em termos absolutos, mas outros países - que
melhoraram - passaram à nossa frente,
demonstrando-se que estar parado num tempo de
mudança é andar para trás. Éramos o 31º e passámos a
ser o 34º. O que - dirão os inveterados optimistas -
não é mau, se nos compararmos com Angola (125º) ou
até com a Itália, a China ou a Polónia. Mas, dirão
os pessimistas, é mau, se nos compararmos com a
Estónia, a República Checa, a Tunísia e Barbados.
Também é um facto objectivo - apesar da manchete do
DN - que os nossos piores indicadores são da
responsabilidade do Estado: o défice orçamental
(ficamos no lugar 116º), a (falta de) flexibilidade
das leis laborais (104º), a dívida pública (75º).
Com responsabilidades em parceria público/privado
está a seguir a absorção da tecnologia a nível das
empresas (63º). Dir-se-á que este Fórum tem
preconceitos ideológicos pró-capitalistas. Pois é,
mas quem decide sobre a localização dos
investimentos também tem esses preconceitos, pelo
que constatar o enviesamento deve-nos preocupar
ainda mais do que se o ranking fosse considerado
imparcial e objectivo.
Também esta semana a Comissão de Revisão do Sistema
de Carreiras e Remunerações da Função Pública,
nomeada pelo Estado, afirma, nas palavras do
PÚBLICO, "que está quase tudo mal na administração
pública" e, sobretudo, conclui que nos últimos 20
anos o funcionalismo público aumentou 50 por cento
em contra-ciclo com a tendência dos nossos
concorrentes europeus. O Compromisso Portugal, pelo
seu lado, afirmou que há cerca de 200.000
funcionários públicos a mais, o que foi muito
criticado, ainda que só mesmo alguns sindicatos
tenham ousado afirmar que há funcionários a menos.
Mas a única questão que deveria ser respondida
quanto a isso (e não foi) é se - por mais "liberais"
ou "capitalistas" ou "anti-sociais" que sejam os
promotores - eles têm ou não razão na análise que
fazem ao peso do funcionalismo público português.
Neste contexto, mais uma vez, o Governo veio
declarar que não haverá despedimentos na função
pública, curiosamente na mesma semana em que são
encerradas duas fábricas e lançados para o
desemprego quase 1000 trabalhadores, ou seja, somos
todos iguais perante a lei, mas uns são mais iguais
do que os outros na prática: quem entra para o
Estado tem emprego garantido para a vida e quem
entra para uma empresa privada não tem. O que, em
termos de justiça social, dispensa palavras. E em
termos de alocação de recursos dispensa teorias: só
vai trabalhar para as empresas privadas quem não
conseguir garantir emprego no Estado... até porque o
Estado, além de dar mais garantias, paga melhor. Por
vezes, paga mesmo melhor do que os países ricos da
Europa, como parece ser o caso dos professores.
Moral da história? Andam, mais uma vez, a gozar
connosco. Portugal - por muito que quem está
instalado no Estado o queira esquecer - está em
competição com outros países por investimento
produtivo. Quem decide os investimentos analisa
friamente as oportunidades e os problemas. Os custos
de contexto são factor decisivo nas opções de
investimento. E as empresas portuguesas - sobretudo
as que se não podem deslocalizar - perdem
competitividade de cada vez que Portugal a perde ou
que se gera a convicção global de que é assim. E
pela diminuição do investimento, pela perda de
competitividade e pelos encerramentos de empresas,
cada vez a situação se vai tornando pior.
Sejamos, pois, claros: se o Estado tem funcionários
a menos para desempenhar funções que aumentem a
competitividade, deve contratar. Se tem funcionários
a mais, deve despedir ou, seja qual for a forma
escolhida, deve reduzir. Pelo menos para que esses
despedidos possam ir para a economia produtiva,
ainda que ganhando menos e trabalhando mais, como
fazemos nós os que não temos lugares garantidos à
mesa do Orçamento.
Se o Estado drena recursos em excesso (e, pelo
critério do défice orçamental, estamos no lugar 116º
do ranking!), prejudica a competitividade e o
emprego na economia real. Se o Estado mantém emprego
artificial, está a subsidiar o sector não produtivo
em desfavor do sector produtivo. Se o Estado não
emagrece, nunca conseguirá reduzir o défice em
comparação com os nossos concorrentes (veja-se o
caso da Espanha, que está com superavit orçamental)
e, com isso, nunca poderá competir em sede de apoios
directos ou indirectos ao investimento. Se o Estado
não cessa contratos com quem nada está a fazer que
se justifique, não pode contratar quem seria muito
útil para as suas funções públicas. Se o Estado adia
os despedimentos hoje, está apenas a criar
desemprego amanhã.
Sofismar ou negar isto não é opção ideológica, é
puro disparate. E nada tem a ver com a necessidade
de haver quem lute pelos direitos dos trabalhadores,
que vezes de mais são desrespeitados (e José Maria
Ricciardi, no Compromisso Portugal, sem papas na
língua e com coragem, afirmou-o claramente), pois
também por aí passa a competitividade portuguesa.
Claro que podemos continuar com os paninhos quentes,
com a língua de trapos, com o discurso redondinho,
com o politicamente correcto, com as cortinas de
fumo e com a propaganda. Mas nada disso resolve
coisa nenhuma. Como bem sabe o economista que há
tempos escreveu um notabilíssimo artigo denominado
"O monstro". Advogado