Golpe de Estado na república da Clónia

 

Saído vitorioso das eleições políticas, o Grande Engenheiro dissolveu o parlamento e instaurou a ditadura. O seu programa de governo resume-se num slogan: A Nação e a Estirpe acima de tudo. E em dois imperativos: Eliminar as raças impuras e os elementos hostis ao regime e formar um exército de Super homens. Os soldados de Clónia devem ser altos, loiros, musculosos, resistentes às fadigas físicas, às adversidades climáticas, ao jejum e às privações, capazes de sobreviver às radiações de uma guerra nuclear e prontos a seguir cegamente qualquer ordem.

Os mais ilustres biólogos são convocados para o Palácio. “Já sabeis tudo sobre os genes humanos”, disse o Engenheiro. “Agora deveis ajudar-me a seleccionar o povo eleito”…

… Os cidadãos são registados pelo método das marcas genéticas, e esterilizam-se em massa as minorias raciais, os contestadores, os delinquentes e os doentes mentais. Quem deseja ter filhos só pode fazê-lo artificialmente, na proveta …

… Na sua opinião as mulheres não são mais do que ventres dos quais se tiram óvulos para as experiências genéticas ou para onde se transplantam os zigotos da Raça Perfeita e que devem obrigatoriamente libertar-se dos fetos não programados …

 … Mas o Engenheiro é impaciente quer ganhar tempo. E os geneticistas, que estão sempre prontos a realizar os seus desejos, criam métodos cada vez mais sofisticados para aumentar a produção. Um é a clonagem dos embriões: quando atingem um certo estado de desenvolvimento, separam-se as células, de modo que cada uma dê origem a um feto completo.

O outro método, ainda mais revolucionário consiste no desenvolvimento in vitro dos órgãos reprodutivos. Extraem-se do embrião os esboços das gónadas e metem-se em provetas especiais para os transformar em ovários ou testículos capazes de procriar. Deste modo, os cientistas de Clónia pensam em cortar a duração das gerações reduzindo-as dos normais doze a quinze anos para apenas poucos meses. Por outro lado, poder-se-ia restringir pouco a pouco a gama dos genes, até que os filhos dos filhos destes pais de proveta sejam réplicas, indivíduos perfeitamente idênticos: Os gémeos do regime, a elite da Nação…

… Talvez tenhamos já sido empurrados muito para a frente, sem termos consciência disso, e, convencidos em boa fé de que estamos a trabalhar para o progresso da humanidade, tenhamos construído na proveta as cadeias que nos tornarão escravos”.

 

In RENATO DULBECCO e RICARDO CHIABERGE, Engenheiros da vida, Editorial Presença, Lisboa, págs. 7 a 9.