«Políticas desconhecem o País e são
perversas» CÉU NEVES
As políticas demográficas
desconhecem a realidade, são contraditórias, têm efeitos perversos e
resumem-se a apoios financeiros, com objectivos sectoriais, às vezes
eleitorais, quase sempre ideológicos. As críticas são de António
Barreto, que ontem, no II Congresso Português de Demografia,
denunciou a ineficácia de tais medidas em todos os países. E a prova
é que em Portugal há cada vez menos crianças, aumentam as
assimetrias regionais e agravam-se as condições de vida.
«Sociedade, demografia e políticas de população» foi o tema da
conferência inaugural do congresso, que decorre até amanhã na
Gulbenkian, em Lisboa. O sociólogo António Barreto deu uma imagem,
algumas vezes caricata, das políticas demográficas nacionais e
internacionais. E, explicou, «geralmente trata-se de dispositivos
financeiros simples, com objectivos sectoriais, às vezes eleitorais,
quase sempre ideológicos. Para já não dizer de mera oportunidade. É
frequente serem as medidas avulsas e contraditórias. Estas
traduzem-se em apoios: subsídios, estímulos, deduções fiscais,
bonificações de juros, condições privilegiadas ou diferenciadas de
acesso a serviços ou dispositivos sociais; etc».
Aqueles subsídios destinam-se «a influenciar a natalidade e a
fecundidade; a modelar a organização familiar; a fomentar certos
tipos de ocupação do território».
Só que, na prática, tal não acontece. Porquê? «Os comportamentos
demográficos reagem lentamente. Além disso, reagem a uma enorme
variedade de factores e estímulos: culturais, económicos, sociais,
políticos, de circunstância, de estrutura. Poderá mesmo pensar-se
que reagem pouco, ou nada, a um apoio financeiro e de rotina, como o
abono de família. É sabido que as mentalidades e as modas
podem ter efeitos mais rápidos nos comportamentos demográficos do
que as medidas administrativas e financeiras. E nem sempre é
possível (será mesmo raro) determinar as consequências efectivas, no
plano demográfico, desta ou aquela medida de política social», diz
António Barreto. Por exemplo, quais são os efeitos na natalidade dos
sucessivos sistemas de subsídios familiares? Nenhuns, a julgar pelas
estatísticas. O índice de fecundidade continua a baixar em Portugal
- depois de um ligeiro aumento em 2002,voltou a diminuir o ano
passado, sendo agora de 1,44 crianças por mulher, segundo dados do
Eurostat. Mas o mesmo estudo mostra também que houve uma inversão no
número de nascimentos nos países nórdicos. Anteriormente, eram os
que apresentavam as taxas mais baixas de natalidade, o que mostra a
eficácia das medidas a longo prazo e bem suportadas socialmente.
Ora, em Portugal, segundo Mário Leston Bandeira, presidente da
Associação Portuguesa de Demografia, o recenseamento de 2001 mostra
que «houve um agravamento do envelhecimento demográfico, das fortes
assimetrias entre o litoral e o interior e da concentração urbana no
litoral. Mostra também um aprofundamento das mudanças das estruturas
domésticas e familiares, com o aumento da precarização e da
informalidade familiares que resultam não apenas de novos
comportamentos e mentalidades, mas também dum agravamento das
condições de existência das famílias e das pessoas».
António Barreto acusa também as medidas de terem um efeito perverso.
Por exemplo, o aumento de abonos de família para as classes
economicamente desfavorecidas pode contribuir para uma subida de
natalidade socialmente orientada. Além disso, revelam uma «forte
carga ideológica», podendo detectar-se sinais de racismo ou
xenofobia e numerosas influências religiosas. Assim, defende «que as
políticas sociais e económicas sejam cada vez mais demograficamente
informadas, isto é, preparadas após estudo rigoroso das suas
implicações demográficas».