Diário de Notícias - 28 Set 04

«Políticas desconhecem o País e são perversas»
CÉU NEVES

As políticas demográficas desconhecem a realidade, são contraditórias, têm efeitos perversos e resumem-se a apoios financeiros, com objectivos sectoriais, às vezes eleitorais, quase sempre ideológicos. As críticas são de António Barreto, que ontem, no II Congresso Português de Demografia, denunciou a ineficácia de tais medidas em todos os países. E a prova é que em Portugal há cada vez menos crianças, aumentam as assimetrias regionais e agravam-se as condições de vida.

«Sociedade, demografia e políticas de população» foi o tema da conferência inaugural do congresso, que decorre até amanhã na Gulbenkian, em Lisboa. O sociólogo António Barreto deu uma imagem, algumas vezes caricata, das políticas demográficas nacionais e internacionais. E, explicou, «geralmente trata-se de dispositivos financeiros simples, com objectivos sectoriais, às vezes eleitorais, quase sempre ideológicos. Para já não dizer de mera oportunidade. É frequente serem as medidas avulsas e contraditórias. Estas traduzem-se em apoios: subsídios, estímulos, deduções fiscais, bonificações de juros, condições privilegiadas ou diferenciadas de acesso a serviços ou dispositivos sociais; etc».

Aqueles subsídios destinam-se «a influenciar a natalidade e a fecundidade; a modelar a organização familiar; a fomentar certos tipos de ocupação do território».

Só que, na prática, tal não acontece. Porquê? «Os comportamentos demográficos reagem lentamente. Além disso, reagem a uma enorme variedade de factores e estímulos: culturais, económicos, sociais, políticos, de circunstância, de estrutura. Poderá mesmo pensar-se que reagem pouco, ou nada, a um apoio financeiro e de rotina, como o abono de família. É sabido que as mentalidades e as modas podem ter efeitos mais rápidos nos comportamentos demográficos do que as medidas administrativas e financeiras. E nem sempre é possível (será mesmo raro) determinar as consequências efectivas, no plano demográfico, desta ou aquela medida de política social», diz António Barreto. Por exemplo, quais são os efeitos na natalidade dos sucessivos sistemas de subsídios familiares? Nenhuns, a julgar pelas estatísticas. O índice de fecundidade continua a baixar em Portugal - depois de um ligeiro aumento em 2002,voltou a diminuir o ano passado, sendo agora de 1,44 crianças por mulher, segundo dados do Eurostat. Mas o mesmo estudo mostra também que houve uma inversão no número de nascimentos nos países nórdicos. Anteriormente, eram os que apresentavam as taxas mais baixas de natalidade, o que mostra a eficácia das medidas a longo prazo e bem suportadas socialmente.

Ora, em Portugal, segundo Mário Leston Bandeira, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, o recenseamento de 2001 mostra que «houve um agravamento do envelhecimento demográfico, das fortes assimetrias entre o litoral e o interior e da concentração urbana no litoral. Mostra também um aprofundamento das mudanças das estruturas domésticas e familiares, com o aumento da precarização e da informalidade familiares que resultam não apenas de novos comportamentos e mentalidades, mas também dum agravamento das condições de existência das famílias e das pessoas».

António Barreto acusa também as medidas de terem um efeito perverso. Por exemplo, o aumento de abonos de família para as classes economicamente desfavorecidas pode contribuir para uma subida de natalidade socialmente orientada. Além disso, revelam uma «forte carga ideológica», podendo detectar-se sinais de racismo ou xenofobia e numerosas influências religiosas. Assim, defende «que as políticas sociais e económicas sejam cada vez mais demograficamente informadas, isto é, preparadas após estudo rigoroso das suas implicações demográficas».

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