Público - 22 Set 04

Sampaio Travará Taxas Moderadoras Baseadas em Declarações de Impostos
Por CATARINA GOMES

O Presidente da República Jorge Sampaio afirmou ontem que, se o Governo avançar com a diferenciação de taxas moderadoras baseadas nas declarações de impostos, travará uma reforma que criaria uma "injustiça fiscal suplementar".

Foi o primeiro dia da "Semana da Saúde", uma iniciativa presidencial que vai levar Sampaio de norte a sul do país e em que pretende pôr em destaque "os bloqueamentos e disfuncionamentos" do sector.

Apesar de lembrar que ainda não lhe foi apresentada uma proposta legislativa "em concreto", Sampaio aceitou comentar a intenção manifestada pelo primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, de diferenciar as taxas moderadoras da saúde com base nos rendimentos declarados ao fisco.

O Presidente declarou ontem que, "se a legislação em concreto for da forma como se anuncia, eu penso que o destino que ela terá é claro", deixando implícita a sua intenção de vetar uma possível proposta caso seja apresentada nestes termos.

"Em Portugal não podemos contar com as declarações fiscais para que daí se possam tirar consequências necessárias". "Não foi possível com as propinas, não seria possível com as taxas moderadoras", reforçou no final de uma visita ao Instituto Nacional de Emergência Médica, em Lisboa. Uma alteração deste sistema imporia uma alteração do SNS tal como está concebido e criaria "uma injustiça fiscal suplementar", acrescentou.

Considerando a saúde "uma das áreas mais difíceis da administração pública", Sampaio afirma que "joga com o orçamento do Estado e ainda bem que é assim". A criação das taxas de moderadoras, para as quais foi preciso rever a Constituição, "têm uma filosofia clara de moderar o acesso dos utentes ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) e não de financiá-lo, defendeu. "Não é uma filosofia que obviamente pretende fazer distinções entre capacidades financeiras e prestações", sublinhou, acrescentando que "seriam duas filosofias e sistemas distintos. Estamos num, foi esse que foi votado e criado".

Sampaio disse ser adepto da necessidade de "reformas que visem a sustentabilidade financeira e a modernização do sistema de saúde", mas foi taxativo quando disse: "Porém não contem comigo para destruir ou subverter o SNS".

Doentes, organizem-se!

Referindo-se à modernização do sistema de saúde levada a cabo desde 1999 (altura da sua primeira presidência aberta sobre saúde) - tal como à criação dos hospitais-empresa - avisou que esse processo não pode "ignorar nem colidir com as responsabilidades e orientações estratégicas em defesa do interesse público" e reforçou "o papel fortíssimo do Estado na maneira como assegura a equidade de todos os cidadãos". Neste contexto, Sampaio pediu também aos doentes que se organizem porque as suas vozes raramente são ouvidas no sector da saúde.

O Presidente da República colocou o enfoque do seu discurso inaugural na questão do acesso aos cuidados de saúde, que "é a principal dificuldade com que se confrontam os portugueses, sobretudo os mais desfavorecidos".

Considerando ser natural que haja "conflitualidade latente" em momentos de transição, reiterou ser necessário questionar "o que vai acontecer ao utente" e perguntar "como está a ser exercida a regulação neste sistema". No último dia desta iniciativa presidencial, sexta-feira, num colóquio em Coimbra, Sampaio deverá dedicar o seu discurso de encerramento às questões da regulação.

O papel da Entidade Reguladora da Saúde deverá estar em destaque, um organismo que, seis meses após a tomada de posse do seu presidente, ainda não começou a funcionar, apesar de lhe caber velar pela reforma que abriu a rede de centros de saúde à iniciativa privada.

Na abertura da "semana da saúde", na Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o chefe de Estado frisou que "o que mais aflige e penaliza" os cidadãos não são tanto as questões da qualidade dos cuidados de saúde e dos profissionais, mas sim as marcações de consultas nos centros de saúde ou as intervenções cirúrgicas nos hospitais. "Disponibilizar informação compreensível para as pessoas é uma obrigação dos governos, das instituições e dos profissionais", concluiu.

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