Público - 20 Set 04

Para Melhor... Está Bem, Está Bem!
Por GRAÇA FRANCO

O país está farto de diagnósticos e exige que se corra finalmente o risco de "fazer", mesmo errando alguma coisa. O desabafo - cito de memória - foi feito por Bagão Félix na sua entrevista à RTP, mas deveria ser subscrito por todos nós, analistas ou simples cidadãos, ansiosos de ter um país que não se confunda com o caracol da Europa. Envergonhados de ver o nosso poder de compra a avançar ao ritmo de dois pontos nos últimos oito anos contra os oito conseguidos pela Espanha ou pela Grécia. Para não falar no salto irlandês de 32 pontos!

Pior ainda, como portugueses só podemos estar cansados de ver a geração dos nossos filhos ameaçada por uma mais do que previsível pauperização. Vejam-se os números do nosso sistema de ensino compilados no último estudo da OCDE. São dados a exigir acção de todos nós. Em plena sociedade de informação, o nosso sistema de ensino só encontra pior comparação no México e na Turquia! Que futuro terão os nossos jovens quando 47 por cento dos que hoje têm entre 20 e 24 já abandonaram a escola, quando a nossa iliteracia adulta e juvenil não tem paralelo em toda a Europa?

Faça-se por isso qualquer coisa. Mas assuma-se por inteiro a acção e o erro. Se há funcionários responsáveis pelo disparate do sistema de colocação de professores, despeçam-se ou penalizem-se. Sem esquecer, contudo, a responsabilidade política de quem optou por este novo sistema e não teve capacidade política ou técnica para prevenir o desastre ou emendar a mão a tempo. Não basta mudar de ministro e mandar os ex-governantes para a pré-reforma. Este Governo não pode evocar a continuidade só para se legitimar no voto popular que deu origem ao anterior e, no mais, fazer da sua herança tábua rasa. Faça-se! Mas saiba-se juntar ao voluntarismo necessário à acção, o bom senso essencial para minimizar o erro. Se não corre-se o risco de somar à inacção o perigo do disparate em cadeia. O povo sabiamente alerta: para melhor... está bem, está bem! Para pior... já basta assim!

Contra esse mal, o ex-ministro da Segurança Social tem a seu favor a experiência no Governo anterior, onde acabou entre os poucos a deixar obra feita. Agora, e de uma assentada, ameaça repetir a experiência e disparar contra "lobbies" tão poderosos quanto o sindicato informal dos gestores públicos e ex-governantes (vide as demissões na CGD e a reprovação pública com promessa de alteração dos esquemas de pensões milionárias atribuídas aos gestores de empresas públicas...); a própria banca (através da defesa de um aumento da tributação efectiva em sede de IRC e da redução dos privilégios permitidos pelo recurso a paraísos fiscais...); Alberto João Jardim (pelos danos colaterais deste novo regime sobre a zona franca...); ou os poderosos sindicatos da função pública (assumindo às claras que vai ser preciso reduzir o número de funcionários e acabar com benefícios adquiridos ao nível das pensões!).

Já não seria pouco, mas o ministro nem esqueceu os próprios colegas de Governo (os que não querem flexibilizar mais o recurso à quebra do sigilo bancário e menos ainda admitir a publicitação das declarações de IRS!). Para começar merece que se lhe tire o chapéu. Somou-lhe aliás o q.b. de elegância em relação à sua antecessora, mostrando não fazer parte desta nova escola de políticos com memória curta e falta de vergonha suficientes para defender hoje que a consolidação está em curso e amanhã que nada se fez! Limitou-se a dizer que, com a nova conjuntura - revisão do PEC e incumprimento do velho limite dos três por cento por vários países -, a obsessão do défice já não se justifica. Como diria Sampaio, "há vida para além do défice"...

Para o próximo ano o ministro deixa mais uma vez a porta aberta ao incumprimento, mas fá-lo de forma prudente para não assustar as empresas de "rating" e prevenir a subida dos juros da dívida pública (os 3 por cento em 2005 "não são impossíveis!" diz optimista). Assumiu ainda, com louvável clareza, que mais vale a verdade do défice e da dívida do que os artifícios a que nos habituámos nos últimos anos. A regularização da dívida do Estado pela via do envolvimento da banca comercial é apenas mais cara e falaciosa do que a assunção clara de um maior endividamento do Estado, com a agravante de passar a mensagem errada de que "o dinheiro aparece sempre" e ninguém é responsável pelo descalabro. Um sério aviso ao ministro da Saúde.

Resta agora saber se a sua independência do PSD, que foi uma vantagem no caso Caixa, lhe vai permitir executar tudo isto. Ou se tudo se ficará pela promessa de mais inspecções aos restaurantes e a clássica retirada de todos os benefícios fiscais à classe média alta trabalhadora por conta de outrem. Aqueles que não podem declarar em sede de profissionais liberais rendimentos de 20 mil euros (como cirurgiões!) ou dez mil como advogados. Seria irónico ser um Governo PPD-PP a pôr em prática o velho refrão comunista "os ricos que paguem a crise!" com os ricos classificados como os que declaram ao IRS mais de cinco salários mínimos. Ou seja, os que declaram por ano o que muitos gestores públicos ganham por mês! Forçados agora a pagar duplamente a educação, a saúde, os subsídios para as empresas públicas de transporte e as auto-estradas.

Num ponto contudo Bagão desiludiu. Sobre as medidas de apoio às famílias. Depois de reconhecer o absurdo de os casados serem penalizados fiscalmente, declarou apenas a intenção de avançar com estudos para avaliar a possibilidade de tributação separada dos cônjuges. É caso para dizer que bem pode poupar o dinheiro dos estudos. O diagnóstico está feito! Se todos formos tributados separadamente, cairá a pique a receita de IRS. No meu caso, com cinco filhos, se fosse divorciada pagaria muito menos. A vantagem fiscal dos não casados é a vários títulos absurda do ponto de vista das políticas públicas. Eliminar a penalização fiscal do casamento, declarando o princípio do divórcio fiscal generalizado, é apenas mais um disparate a mostrar a menoridade dos nossos políticos de direita quando se trata de enfrentar o "lobby soixante huitard" da esquerda folclórica.

Blair e Jospin já o reconheceram há mais de cinco anos! Não evocam razões morais mas estritamente sociológicas para provar a vantagem do incentivo público ao modelo de família baseado no casamento. É, por exemplo, o que melhor previne a armadilha da pobreza. Vale a pena consultar os dados coligidos no recente estudo de João Carlos Espada, "Família e Políticas Públicas", e aprender com eles. Constata-se que, se em 1985 os Estados Unidos tivessem mantido a mesma percentagem de famílias monoparentais matriarcais existentes no início da década de 60, "haveria menos 5,2 milhões de pobres do que os efectivamente registados".

A análise de várias décadas de estatísticas norte-americanas parece ainda provar que o fenómeno das famílias monoparentais não é único. Parece ainda evidente a instabilidade associada ao modelo da coabitação. De acordo com Larry Bumpass e James Sweet, "a maioria dos indivíduos em relação de coabitação, ou casa ou se separa no prazo de dois anos" e outras investigações provam que, "mesmo quando casam, estes casais têm uma probabilidade do dobro de virem a divorciar-se face aos que não tiveram essa experiência prévia de coabitação". Que importa isso ao Estado? Tudo. A vantagem da estabilidade familiar está traduzida estatisticamente nos maiores níveis de educação dos pais de família, no maior sucesso escolar e prevenção da criminalidade dos respectivos filhos, na maior estabilidade de emprego e, sobretudo, no maior nível de rendimento relativo dos casados. Não chega (moralismos à parte!) para incentivar a vantagem fiscal?

Então, acabe-se com aquele chorrilho de boas intenções que ocupa seis páginas das Grandes Opções com medidas tão concretas e úteis à família como esta: "Promoção do voluntariado de apoio à família." Como? Vão aconselhar os rapazes livres do SMO a visitar velhinhos no tempo disponível?

Jornalista

WB00789_.gif (161 bytes)