Correio da Manhã - 8 Set 03
Quantidade e preço dos livros entre as preocupações
FAMÍLIAS INQUIETAS COM NOVO ANO LECTIVO
O ano lectivo 2003/2004 tem o seu início marcado para a próxima
semana. Pais e professores estão apreensivos, pois o ensino é uma área
marcada por várias questões de difícil resolução.
d.r.
Desde há uns anos que se fala da necessidade de reformar a educação e,
neste contexto, principalmente, as mentalidades, para que se possa falar
de ensino de qualidade em Portugal.
"Apostamos no sucesso dos nossos filhos, mas o início do novo ano escolar
corresponde a várias preocupações", afirmou ao Correio da Manhã o
presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap),
Albino Almeida. Segundo disse, as actividades do novo ano lectivo estão
atrasadas, já que muitos professores aguardam ainda destacamentos e não
vão ficar nas escolas onde se encontram.
"Há vários factores de inquietação que afectam as famílias", sublinhou o
presidente da Confap, para quem "os atrasos vão perturbar o funcionamento
das escolas por não permitirem a programação do ano lectivo."
"Na vigência do anterior Governo, havia uma maior autonomia das direcções
regionais e agora isso não acontece", precisou Albino Almeida, que
adiantou ser "fundamental a administração central emagrecer e verificar-se
uma efectiva descentralização, para assim fortalecer a administração local
e encontrarem-se outras formas de controlar as escolas".
"Somos cidadãos antes de ser pais e é nosso dever colaborar na vida
política do País", adiantou.
OS MANUAIS
Outra preocupação referida por Albino Almeida relaciona-se com o aumento
do número de livros necessários aos alunos e do preço dos mesmos. "Os pais
não são chamados em momento algum na decisão sobre os manuais. Além disso,
o Governo deveria limitar o seu número", defendeu o presidente da Confap.
Uma vez que esta situação não se verifica, e já que os manuais não são
gratuitos no ensino obrigatório, Albino Almeida entende que se deveria
implementar o "modelo francês", baseado na utilização universal dos
materiais e manuais, ou seja, todo o material fica na escola e o aluno não
tem de o carregar.
OS PROFESSORES
Para Augusto Pascoal, secretário nacional da Fenprof (Federação Nacional
de Professores) e vice-presidente do Sindicato dos Professores da Grande
Lisboa, dois aspectos negativos marcam o início do ano escolar, a saber
"os
problemas relacionados com a colocação dos professores e com a reforma
curricular programada pelo Governo para o ensino secundário e que já está
em curso este ano lectivo". O secretário nacional da Fenprof acrescentou
que "esta primeira semana será para fazer alguns ajustamentos
necessários".
Já para Luís de Melo, vice-secretário geral da FNE (Federação Nacional dos
Sindicatos da Educação), "as escolas deverão abrir dentro do prazo, sem
grandes imprevistos". "Este ano os professores foram até colocados mais
cedo", reparou.
Quanto aos problemas das escolas portuguesas, são de vária ordem, no
entender de ambos os dirigentes sindicais. Para Luís de Melo, a política
de ensino deveria visar o agrupamento das escolas, no sentido de haver
melhor aproveitamento dos recursos e dos espaços. "Deveríamos ter escolas
verticais integradas. O actual modelo impede uma boa socialização entre
professores e alunos, e revela desigualdades de condições que podiam ser
facilmente suprimidas", sublinhou.
Neste sentido, exemplificou: "Foi feito um cálculo de encerramento de uma
escola do interior que tinha cinco crianças. O professor ganhava três mil
contos por ano. O cálculo do custo do táxi que iria buscar e levar as
crianças, juntamente com o almoço e o lanche não implicaria mais do que
trezentos contos".
MEMÓRIA E RACIOCÍNIO
A par de uma utilização mais racionalizada dos recursos disponíveis, é
necessário criar condições que façam das escolas locais de sucesso. "É
preciso alterar o sistema de administração e gestão das escolas, para que
estas rentabilizem melhor os seus recursos", afirmou o vice-secretário
geral da FNE.
Esta opinião é corroborada por Augusto Pascoal, que reconhece que "a
autonomia das escolas não está a funcionar como deveria ser", sublinhando
"a necessidade de toda a comunidade escolar intervir na respectiva
gestão".
O aumento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano e a importância de
reformular os programas são essenciais para inverter a tendência de
Portugal estar na cauda da Europa em matéria de insucesso escolar. Ambos
os professores justificam esta situação invocando os 50 anos de ditadura,
durante os quais foi privilegiado o uso da memória e não do raciocínio.
REFORMA
12 ANOS
A escolaridade obrigatória vai ser alargada de 9 para 12 anos e começará
por abranger os alunos que se matriculem no 5.º ano de escolaridade no ano
lectivo de 2005/2006.
CICLOS
Os ciclos vão ser reformulados: Ensino Infantil (até aos 6 anos), Ensino
Básico (dos 6 aos 12 anos) e Ensino Secundário (dos 12 aos 18 anos).
TIC
A reforma traz consigo o incremento das aulas de 90 minutos, o ensino
obrigatório de uma cadeira na área das Tecnologias da Informação e
Comunicação, o estágio nos cursos tecnológicos, a redução e distribuição
do número de exames pelo 11.º e 12.º ano.
MENOS HORAS
Os alunos dos cursos científico-humanísticos do Secundário vão ter menos
duas horas e meia de aulas (24 horas por semana). Nos cursos tecnológicos
a redução é de hora e meia (28 e meia por semana).
PORTUGAL LIDERA INSUCESSO E ABANDONO
Portugal continua na cauda da Europa no que se refere ao insucesso e
abandonos escolares. Se é verdade que se registou uma quebra acentuada
destas duas taxas entre 1991 e 2001, não deixa de ser "abismal" a
diferença que nos separa da média europeia. Preocupante é o facto de, ao
nível da escolaridade obrigatória, Portugal registar, em 2001, uma taxa de
abandono de 2,7%, ou seja, 17 874 jovens entre os 10 e 15 anos saíram da
escola sem o 9.º ano de escolaridade completo.
Há uma incidência significativa do abandono escolar entre os 14 e 15 anos.
A maior parte dos abandonos (cerca de 70%) neste grupo etário é de alunos
repetentes, sobretudo no 2.º ciclo.
Estes números só esclarecem a verdadeira dimensão do problema se
decompostos a nível local e regional. As profundas disparidades regionais
revelam-se na proporção do singelo ao dobro, com a região Norte em
especial destaque.
Segundo os últimos números conhecidos (referentes a 2001), o abandono
escolar ganha maior expressão nas regiões do Tâmega e do Douro,
nomeadamente nos concelhos de Mondim de Basto, Resende, Mesão Frio e Marco
de Canavezes. Ao confrontar a cartografia do abandono escolar com outros
indicadores de contextualização sócio-económica identifica-se este
fenómeno com as oportunidades e integração precoce no mercado de trabalho
e com o insucesso escolar. O abandono escolar tem mais a ver com a idade
do que com o ano de escolaridade e é geralmente precedido de histórias de
insucesso repetido. Insucesso e abandono são dois fenómenos que estão
associados, pois a retenção precede geralmente o abandono.
Os anos críticos da retenção são o 2.º, 4.º, 7.º, 10.º e 12.º. Os dois
anos com taxas mais elevadas são os do ensino secundário. É na mudança de
ciclo que os alunos sentem mais dificuldades, o que permite concluir que o
sistema de ensino actualmente em vigor em Portugal está desarticulado
entre os diferentes ciclos. Ou seja: temos um sistema educativo que
evoluiu em "patamares" em detrimento da evolução natural e progressiva. Ao
insucesso e abandono que se registam no ensino básico soma-se a realidade
desoladora do ensino secundário, onde, anos após ano, Portugal faz triste
figura nos níveis de qualificação quando comparado com os parceiros
europeus.
PASTOREIO ROUBOU-OS À ESCOLA
São catorze: sete rapazes e sete raparigas, com idades compreendidas entre
os 13 e 35 anos. Em comum, o facto de não terem completado a escolaridade
obrigatória.
Os dois mais velhos não chegaram a concluir a antiga 4.ª classe, nove
conseguiram atingir essa meta, enquanto que as três raparigas mais novas,
Sónia, 16 anos, Eduarda, de 15 e Ana Cláudia, de 13, só conseguiram chegar
ao 6.º ano.
A família Mateus, da aldeia de Bobal, concelho de Mondim de Basto, é caso
flagrante de abandono escolar. Trocaram a sala de aulas pelo trabalho e as
três raparigas, em vez dos livros, guardam agora gado na Serra do Alvão.
"Tinha de me levantar muito cedo (06h30) para apanhar o autocarro para
Mondim de Basto. Depois, eram muitas horas de estudo e eu não via
progressos. Como sabia que não tinha hipóteses de continuar a estudar,
pois a minha família tem dificuldades económicas, resolvi ficar em casa e
ajudar na lida do gado", conta Ana Cláudia, a mais nova das três irmãs.
"Estar todo o dia no monte com as cabras no monte até é engraçado, mas
apenas quando encontramos outros colegas, com outros rebanhos. Mas quando
nos desencontramos passo mais de dez horas sozinha, entre cabras e cães...
São momentos de muita solidão", relata, já resignada a esta vida de
pastora.
Diana Serra / Andreia Dias / Rogério Chambel / Luís C. Ribeiro (Vila Real) |