Terminado o longo período eleitoral, salta à vista a
má qualidade do discurso político. Perante a
gravidade da situação e desânimo reinante, o tom
geral das intervenções foi claramente incapaz. Não
houve rasgo, chama. O povo está tão desiludido como
estava.
Qual o motivo? Que esteve ausente do esforço
tribunício dos últimos meses? Não faltaram planos,
propostas, projectos. Nos milhares de páginas de
programas e centenas de horas de oratória é forçoso
achar ideias, algumas até boas. Também não faltou
sonho. Há muita emoção, paixão, fervor na vida
pública nacional. Alguns são frustrados e até
pesadelos, mas existem sonhos na nossa política
partidária.
O que desapareceu da intervenção dos nossos
responsáveis é algo mais denso e determinante: visão
estratégica, orientação de fundo, linha de rumo. Não
se ouviu um propósito inspirador e empolgante que
motivasse os portugueses. Ninguém diz o que quer e
para onde vamos. O que tinham Sá Carneiro, Mário
Soares e Cavaco Silva, e até Spínola, Vasco
Gonçalves e Melo Antunes, desapareceu desde Guterres.
Temos meios e vontade mas está omisso o destino.
Em 1852, Victor Hugo escreveu um livrinho, Napoléon
le Petit, comparando o imperador da época ao grande
antecessor. Hoje também temos políticos pequeninos.
Há 15 anos que não existe um verdadeiro objectivo
nacional, uma finalidade grande que arrebate e
mobilize o País. Vivemos de fins intermédios,
interesses particulares, promessas próximas. Os
sucessos e debates recentes centram-se em oferecer
portáteis ou brincar aos comboios rápidos. A vida
política não sobe acima das adições orçamentais.
Como se caiu nesta triste apatia? A resposta é
simples porque existe um ingrediente indispensável
ao destino, a fé. Os nossos responsáveis perderam a
fé que tinham nos primeiros anos da democracia.
Claro que há muita fé na vida privada, mas há década
e meia que anda quase ausente da vida pública.
Isto não se aplica à fé religiosa. Essa há muito que
não tem presença na nossa política. Por acordo
tácito geral, a vida democrática é formalmente
alheia aos temas espirituais. Em sistemas como o
americano, italiano e tantos outros o assunto é
comum. Até em França a cartada é jogada. Mas
Portugal, por feridas antigas, não se atreve a falar
disso.
O que estiolou com os tempos foi a fé ideológica,
patriótica. Os anos revolucionários incendiaram-se
de fervor. Acabado o tumulto, o ideal de um Portugal
europeu e progressivo guiou-nos nos tempos difíceis
da adesão à Comunidade. Normalizada a situação, na
estabilidade do euro e fragor da globalização,
abandonaram--se os grandes propósitos. A vida
pública centrou-se em finalidades imediatas, grupos
instalados, razões operacionais abandonando os
grandes desígnios dos tempos heróicos. O que nos
ocupa e preocupa é emprego, conforto, segurança. Até
temas globais, como regionalização e aborto, são
conduzidos por preocupações tácticas.
Os dois grandes partidos são pragmáticos,
abrangentes. Gerindo conveniências, não se podem dar
ao luxo de ideologias ou destinos ambiciosos. O CDS
já teve várias fés e não se sabe bem a que tem hoje.
O BE esconde a falta de fé criticando a infidelidade
dos outros. Apenas o PCP e os pequenos ainda
acreditam em algo, que mais ninguém leva a sério. O
resultado é a pasmaceira agnóstica e interesseira.
Não admira o pessimismo dominante.
A solução disto é fácil, porque o sentido da vida
está na vida, não na política. O erro foi pedirmos
aos partidos que nos fornecessem a fé. O destino não
está em programas, instituições, sistemas, mas na
família, trabalho, comunidade. O País salva-se se
deixar de procurar nos líderes aquilo que só
encontra em si mesmo.
Não é Portugal que se condena com a desorientação,
apenas os dirigentes. Como em situações antigas de
desnorte, cabe à sociedade e à economia encontrar na
sua actividade quotidiana a força e as razões que
faltam às elites. A fé privada tem de superar a
vacuidade pública. Se acreditarmos num destino
maior, Portugal avança. Depois os pequenos políticos
correm atrás.