Situações de carência afectam cada vez mais
classe média, mulheres e jovens Isabel Leiria
Para um número crescente de pessoas, ter um emprego
já não é suficiente para fazer face às despesas.
Aumento dos alimentos e dos juros agravaram uma
situação que tende a piorar
Nos primeiros nove meses deste ano, o número de
pedidos de ajuda que chegaram aos vários centros
sociais da AMI aumentou 20 por cento em relação a
igual período de 2007. "O nível da procura tem
aumentado. Mas o que mais preocupa é que há já uma
grande percentagem de pessoas que até trabalham mas
que não conseguem esticar o orçamento até ao fim do
mês e que vêm pedir sobretudo alimentos", descreve
Fernando Nobre, presidente da AMI em Portugal.
No dia em que se inicia mais uma campanha de recolha
de fundos (ver texto nesta página), Fernando Nobre
chama a atenção para as dificuldades acrescidas que
estão a ser vividas pelas famílias de classe
média/média baixa. Dantes, até ajudavam com
donativos. Agora são muitas vezes elas que pedem
ajuda, afirma Fernando Nobre.
O presidente da AMI refere vários números que
mostram como os orçamentos familiares parecem estar
a ficar cada vez mais curtos para fazer face às
necessidades básicas, perante o aumento dos juros
dos empréstimos e a subida dos alimentos. "Oitenta e
sete por cento das pessoas que nos solicitam invocam
dificuldades financeiras, mas só 40 por cento estão
desempregadas. Ou seja, a maioria até está a
trabalhar, mas têm empregos precários, com baixas
remunerações e que são insuficientes para fazer face
às solicitações."
Outro dado que surpreende Fernando Nobre são os "13
por cento dos sem-abrigo que vivem na rua e em vãos
de escada mas que estão empregados". E nesta
comunidade há mais sinais de que a situação pode
estar a agravar-se, pelo menos junto de pessoas que
fugiam habitualmente a este drama. "Antigamente, os
sem-abrigo eram esmagadoramente homens. Agora, as
mulheres já são uma parte significativa", revela.
Tânia Matos, da Legião da Boa Vontade, organização
que presta diferentes tipos de apoio em Lisboa,
Porto e Coimbra, confirma o agravamento da situação.
"Há um aumento das solicitações, nomeadamente por
parte dos que seriam de classe média, e que pedem,
sobretudo, alimentos e roupa. Os idosos também estão
a aumentar imenso e já há jovens a procurar ajuda.
Por estarem desempregados ou por terem insuficiência
de rendimentos", descreve Tânia Matos.
Quanto a uma possível subida da comunidade de
sem-abrigo, a responsável explica que é difícil
quantificar o fenómeno, por se tratar de uma
população muito flutuante. Mas diz notar-se uma
tendência de aumento entre os idosos, imigrantes
ilegais e jovens. Neste último caso, por fenómenos
associados ao alcoolismo e toxicodependência, mas
também de desemprego e rupturas familiares.
Ao Banco Alimentar contra a Fome, que distribui
comida a 240 mil pessoas através de 1600
instituições, os ecos que chegam são os mesmos. "O
que nos tem sido dito pelas instituições é que há um
número crescente de pessoas a pedir apoio, por
várias razões", diz a presidente da organização,
Isabel Jonet. "Há uma pobreza mais estrutural,
vivida pelos idosos, desempregados de longa duração
e famílias com menos qualificações. E há os outros
pobres mais conjunturais, cujos problemas decorrem
do sobre-endividamento."
O problema é que a situação não tem melhorado nem
para uns nem para outros, lamenta Isabel Jonet. No
caso dos idosos, foi o aumento dos alimentos - que,
a par dos medicamentos, consomem a maior fatia das
baixas pensões - que veio complicar as contas.
Quanto ao problema do endividamento, Jonet recorda
ter alertado para a situação desde o ano passado.
Sendo que a evolução mais recente agravou uma
situação que, avisa Fernando Nobre, tenderá a
piorar. "Não tenho a mínima dúvida de que as
dificuldades ainda não atingiram o seu apogeu e que
a classe média/média baixa vai ser particularmente
afectada."