Sejam bem-vindos ao regresso do Estado. Foi isso no
essencial que ontem anunciou José Sócrates no
Parlamento durante o debate sobre a crise
financeira. O primeiro-ministro não resistiu, como
muitos humanamente não resistem, a um vago número
ideológico. Acabou-se o fundamentalismo do mercado,
a regulação "permissiva", o Estado mínimo. Sejam
bem-vindos portanto a um mundo onde o Estado está de
volta. Onde andava ele antes, apetece perguntar, que
não o conseguíamos ver? Durante décadas, a economia
mundial cresceu graças ao crédito fácil e
democratizado, à energia barata e aos juros baixos.
Mas tudo isso já deixou de interessar. Agora abram
portas, acomodem-se, pacifiquem-se: vem aí o Estado,
vêm aí a "mão visível".
Comecemos por recordar o óbvio, já que o óbvio
precisa agora de ser recordado. Não falo da América.
Os mercados financeiros americanos andaram, sim,
anos e anos numa roda-viva especuladora. Não que
estivessem desprovidos de uma infinidade de regras e
regulações. Mas, com a passividade e incompetência
das autoridades centrais de fiscalização, não
respeitaram essas regras e devem ser punidos por
isso. Obama está certo: nem um cêntimo dos planos de
recuperação para os executivos da banca de
investimento responsáveis por esta balbúrdia.
Ajude-se quem foi apanhado pela voragem e não tem
culpa.
Mas viremo-nos para Portugal porque ainda vivemos em
Portugal. Sejam bem-vindos, dizem por aí, ao
regresso do Estado. Ao Estado regulador mas também,
como advertiu Sócrates, ao Estado investidor. É caso
para algumas perguntas soltas: houve por acaso algum
momento na História da democracia portuguesa em que
o Estado não esteve omnipresente na vida económica e
social? Algum dia Portugal conheceu o Estado mínimo
e a desregulação sistemática de que falava ontem, em
tom acusatório, Sócrates? E pode um país que chegou
tarde ao mercado, tal como chegou tarde ao Estado
social, meter--se em ataques tontos à "ideologia" do
mercado? Tudo se admite de Jerónimo de Sousa, mas
espera-se mais de José Sócrates.
Em épocas de crise, é sempre tentadora a demagogia.
Não haja dúvidas: vem mesmo aí o Estado; está aí o
Estado. E muita coisa irá evoluir na regulação
nacional e internacional do sistema financeiro. Os
mercados vão mudar, como os Estados vão mudar. Mas o
Estado está aí para o que primariamente serve e não
pode nunca deixar de servir: acudir a crises,
garantir a segurança de pessoas e bens, impor o bem
comum, proteger os mais dependentes, repartir os
sacrifícios nos tempos complicados. Essa é ainda
felizmente a nossa tradição histórica. O discurso de
um Estado contra o mercado é que não nos serve de
nada. Oportunismo ideológico não nos serve de nada.
O "espectáculo" de Sócrates ontem na Assembleia não
interessa.