Cavaco Silva pede "verdade", para superar as
dificuldades Joana Ferreira da Costa
O Presidente fez um diagnóstico dos tempos difíceis
que o país atravessa, mas deixou mensagem de
esperança aos portugueses
Verdade. A verdade contra a ilusão que "é fonte de
descrença". Verdade, palavra repetida vezes sem
conta, ontem, pelo Presidente da República nas
comemorações do 5 de Outubro, em que reconheceu que
o país vive momentos difíceis. Uma realidade que não
pode ser "iludida pelos agentes políticos", disse
Cavaco Silva, desafiando os portugueses a não
baixarem os braços e estabelecendo um conjunto de
prioridades políticas.
De manhã, na Praça do Município, em Lisboa, Cavaco
Silva quis deixar claro que reconhece as
dificuldades que os portugueses enfrentam no
dia-a-dia. Falou das famílias que lutam para pagar
os empréstimos à habitação, dos idosos cuja "reforma
mal chega para as despesas essenciais", daqueles que
ficaram desempregados, das novas formas de pobreza e
exclusão social. "O que é vivido pelos cidadãos não
pode ser iludido pelos agentes políticos", afirmou o
Presidente. "Quando a realidade se impõe como uma
evidência, não há forma de a contornar", frisou.
Durante o todo o discurso, Cavaco Silva salientou a
necessidade de se falar verdade, demonstrando que é
sensível às críticas generalizadas da oposição, que
tem acusado o Governo de mascarar a realidade do
país com acções de propaganda. "A verdade gera
confiança, a ilusão é fonte de descrença", frisou.
"Tempos difíceis"
O chefe de Estado fez questão de falar nos "fracos
índices de crescimento económico" de Portugal, da
"insustentável tendência de endividamento externo",
das profundas disparidades regionais e de uma
situação internacional pouco favorável. "Os tempos
são difíceis, mas a vontade o querer dos portugueses
terão de ser mais fortes", disse Cavaco. "Somos
capazes de vencer quando os desafios são maiores",
defendeu. "Não se deixem vencer pelo pessimismo e
pelo desânimo."
Para que Portugal possa regressar ao caminho da
"convergência real com o desenvolvimento médio dos
países da União Europeia", o Presidente enumerou
ontem um conjunto de prioridades políticas: o
combate ao desemprego, o reforço da competitividade
das empresas e a necessidade de uma aposta contínua
numa educação de "exigência" na qualificação. E
lembrou que o Estado tem de garantir a justiça e a
segurança, mas não pode "esquecer aqueles que têm
muito pouco, os mais frágeis e desprotegidos".
Sócrates gostou Imune às críticas, o primeiro-ministro, José
Sócrates, sublinhava no final da cerimónia nos paços
do concelho a "consonância perfeita" entre o
discurso do Presidente da República e o Governo.
"Gostei muito do discurso", afirmou Sócrates. "Como
tenho sempre dito, as dificuldades do presente
resolvem-se com acção, com vontade, com ambição e
não com um baixar de braços".
Às prioridades de actuação política defendidas por
Cavaco Silva, o primeiro-ministro responde com a
estabilidade das contas públicas e as medidas
sociais do Governo. "Há três anos, Portugal tinha
uma gravíssima situação financeira, mas agora já não
temos esse problema", defendeu.
Sócrates fez também questão de sublinhar as "muito
importantes" políticas de combate à pobreza. "Nestes
últimos três anos, saíram da pobreza mais de 130 mil
idosos. O Governo não só fez, como está a fazer tudo
para tirar mais pessoas da situação de pobreza",
reivindicou.
As palavras do Presidente foram ontem recebidas em
silêncio pela líder do PSD, Manuela Ferreira Leite,
que se recusou a falar aos jornalistas. Horas mais
tarde, era o líder da bancada parlamentar
social-democrata quem saudava o discurso do
Presidente em declarações à Lusa. No final da
cerimónia, os populares aplaudiram a intervenção de
Cavaco, enquanto PCP e BE pediam críticas mais
firmes à acção do executivo.
"O Presidente da República fez um diagnóstico sobre
alguns dos problemas do país, mas podia e devia ter
ido mais longe sobre a governação, porque estes
problemas não estão desligados das políticas do
Governo", defendeu a bloquista Helena Pinto.
Já o líder da bancada parlamentar comunista,
Bernardino Soares, lamentou a ausência de "críticas
às políticas de direita que têm sido seguidas",
considerando que não se podem resolver "com muita fé
e esperança" os problemas dos portugueses. Para o
CDS-PP, este é um discurso realista.
"Não adianta pintar a realidade do país de
cor-de-rosa. Há uma responsabilidade do Governo para
encontrar soluções e não adianta que esse mesmo
Governo se limite a culpar a situação
internacional", afirmou António Carlos Monteiro.
António Costa aproveitou as comemorações do 5 de
Outubro para pedir mais poderes para a Câmara de
Lisboa