Correio da Manhã - 06 Out 07

Presidente Cavaco Silva chama a um novo olhar sobre a escola
Criar vontade de vencer e apego ao trabalho
João Vaz / D.A

"Não basta adquirir livros e manuais, assistir de quando em quando a reuniões de pais ou transportar diariamente os filhos à escola”, alertou ontem o Presidente Cavaco Silva nas comemorações do 5 de Outubro, debaixo da varanda onde a República foi proclamada em 1910. Num discurso consensual, sentido pelo primeiro-ministro como incentivo à acção do Governo e agradecido pelos sindicatos devido às “referências elogiosas” ao papel dos professores, o Presidente destacou que “há toda uma cultura de autoexigência que deve ser estimulada pelos pais” e acrescentou ao discurso escrito o papel formador da escola na “vontade de vencer e apego ao trabalho”.

A educação foi de forma justificada o tema da comemoração da República. Afinal, como afirmou o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, o regime mostrou as suas prioridades ao avançar em Março de 1911 com uma reforma educativa que descentralizou “para os municípios as competências relativas ao então ensino primário infantil e elementar”. Podia também evocar os centros escolares republicanos dos quais quase cem anos depois ainda há uma dúzia a funcionar. Dois deles estavam representados com as suas bandeiras na placa central da praça e fizeram-se notar com um ‘Viva a República!’ logo após o hastear da bandeira nacional.

Na Praça do Município, de Lisboa, estiveram numerosas individualidades e duas a três centenas de populares entre militantes republicanos, curiosos e turistas estrangeiros. António Costa, eleito em Julho, afirmou-se orgulhoso de ser pela primeira vez anfitrião das comemorações que reuniram os mais altos dignatários do Estado. O Presidente Cavaco Silva teve a seu lado Jaime Gama, presidente da Assembleia da República, e o primeiro-ministro, José Sócrates. Num palanque à esquerda, além dos presidentes dos supremos tribunais sentaram-se quatro ministros, Teixeira dos Santos, Severiano Teixeira, Nunes Correia, Mário Lino e Correia de Campos, sendo o detentor da pasta do Ambiente a única excepção à moda das gravatas encarnadas liderada pelo primeiro-ministro. Na bancada maior, à direita, os vereadores da Câmara ocupavam a primeira fila e entre eles via-se o grande-mestre do Grande Oriente Lusitano, António Reis.

PEDIDA "EFICÁCIA NA LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO"

O Presidente da República lembrou na fase inicial da sua intervenção do 5 de Outubro que no ano passado enaltecera “a dimensão ética da cultura republicana e as exigências daí decorrentes, nomeadamente no que diz respeito à responsabilização dos titulares de cargos públicos e ao combate à corrupção”.

Em jeito de balanço, registou que “na Assembleia da República foram apresentadas múltiplas iniciativas legislativas visando aumentar a eficácia da luta contra a corrupção” e não se eximiu a novo desafio: “Apelo a que os senhores deputados aprofundem o esforço já empreendido para concretizar, no plano legislativo, o ideal republicano de uma maior transparência da vida pública.”

FRASES EM DESTAQUE

"Ao fim de quase um século de existência, temos de reconhecer que a República não conseguiu resolver aquela que é a principal causa do nosso atraso estrutural: as deficiências na educação das crianças e dos jovens. "

Cavaco Silva

"Um levantamento rigoroso e exaustivo do estado das nossas 150 escolas do 1.º Ciclo e jardins-de-infância da rede pública da cidade de Lisboa mostrou-nos que só quatro por cento podem ser consideradas como escolas de qualidade. De facto, 44 dos 90 estabelecimentos do 1.º Ciclo estão mesmo em muito mau estado de conservação."

António Costa

"O Governo não ataca os professores, ataca os problemas da Educação. E é preciso que não se confunda professores com sindicatos."

José Sócrates

"Nas minhas visitas pelo País, tenho detectado sinais positivos de mudança."

Cavaco Silva idem

"A IGONRÂNCIA É QUE É CARA"

“Os que acham que se gasta muito na Educação deviam tentar a ignorância. A ignorância é que é cara”, salientou o primeiro-ministro, José Sócrates, ao falar com os jornalistas no final das comemorações do 5 de Outubro, na Praça do Município. Sócrates considerou o discurso do Presidente da República “uma palavra de incentivo para o Governo” e distinguiu entre professores e sindicatos para explicar a sua concordância com o pressuposto enunciado por Cavaco Silva quanto à necessidade de “que a figura do professor seja prestigiada e acarinhada pela comunidade”. Nesse sentido invocou o facto de o Governo ter passado os contratos anuais para a duração de três anos e garantir assim “a estabilidade do corpo docente referida pelo presidente. A Fenprof polemizou com as declarações, insistindo na denúncia de que os professores não maltratados pelo Governo.

LISBOA QUER QUALIFICAR ESCOLAS

Lisboa vai lançar um programa especial de modernização e qualificação do Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico, a desenvolver entre 2008 e 2112, segundo anunciou no seu discurso o presidente da Câmara, António Costa. O autarca registou uma situação de degradação nos estabelecimentos de ensino da capital e afirmou que “só uma escola revalorizada e bem inserida no tecido urbano é capaz de responder com sucesso às necessidade da comunidade educativa. As crianças de Lisboa exigem-no, os professores merecem-no e a revitalização da cidade não permite qualquer adiamento”, enfatizou. Com o centenário da República à vista, disse que “a modernização e a qualificação da Escola permitem afirmar a viva actualidade do ideário da República e a satisfação de uma necessidade dramática do presente”.

MENEZES SEM CONVITE PARA CERIMÓNIAS

Luís Filipe Menezes (na foto) afirmou ontem na TVI que não recebeu convite para as cerimónias oficiais da comemoração da República. Em consequência, o partido não esteve oficialmente representado. Na tribuna própria, só foram vistos os líderes parlamentares do PCP e CDS. A Câmara garantiu que enviou convite aos partidos parlamentares.

"PRESIDENTE AGRADECEU O MEU ALERTA"

“Não votei nele, mas este Presidente da República acabou com a incorrecta atitude de Santana Lopes que proibia o povo de assistir às comemorações do 5 de Outubro”, contou ao CM Joaquim Neves, advogado de 74 anos que desde o 25 de Abril assiste sempre às cerimónias oficiais na Câmara de Lisboa, mesmo sob chuva impiedosa, mas entre 2002 e 2005, durante o mandato de Santana Lopes, ficou à porta porque a ordem era não deixar entrar o povo.

Ontem afirmou que achava óptimo o novo figurino das comemorações transferidas para o exterior desde o ano passado. “Eu escrevi uma carta ao Presidente da República a lastimar a marginação das pessoas anónimas que antes de 2002 tinham entrada livre e tenho em casa uma resposta a agradecer o meu alerta”, destacou, satisfeito com a atenção.

O 5 de Outubro é hoje muito diferente das agitadas deposições de flores na estátua de António José de Almeida e romagens aos mártires que jazem no cemitério do Alto de São João. Antes do 25 de Abril, esses actos eram sempre cenário de cargas policiais porque a ditadura não gostava da República e ainda menos que se gritasse “Viva a Liberdade!”

PORTUGAL EXISTE HÁ 864 ANOS

A Real Associação de Coimbra (RAC) assinalou ontem o 864.º aniversário de Portugal, reconhecido pelo Tratado de Zamora, com missa na Igreja de Santa Cruz e homenagem junto aos túmulos de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I. O presidente da RAC, Joaquim Nora, disse que Portugal “deve ser o único País que não celebra oficialmente a data da sua independência (5 de Outubro de 1143)”, preferindo “comemorar as datas de acidentais alterações ao regime”.

PALÁCIO ABERTO

Milhares de pessoas fizeram ontem à tarde uma imensa fila para visitar o Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República, que lhes preparou um programa cultural.