Diário de Notícias - 30 Out 06
Escolas básicas
cobram dinheiro ilegalmente
Ângela Marques
As escolas básicas portuguesas estão a dar um novo
sentido ao ditado "o barato sai caro". A prática de
fazer cobranças indevidas no acto da matrícula aos
encarregados de educação generalizou-se. As
associações de pais começam a questionar-se: "O que
aconteceu ao ensino público gratuito?"
A rotina já se instalou e, no início de cada ano
lectivo, os estudantes levam para casa uma longa
lista de compras para fazer. À cabeça, os impressos
para nova inscrição trazem preços que podem chegar
aos 15 euros. Desta vez, foram tantas as queixas de
pais inconformados que a Secretaria de Estado da
Educação decidiu enviar um ofício às escolas. "Não
podem ser cobradas quaisquer importâncias que não
estejam previstas na lei", dizia.
De acordo com a lei, a escolaridade obrigatória é
também gratuita. Ou seja, os alunos das escolas
básicas do primeiro ao terceiro ciclo não devem
pagar para se matricular (ver página ao lado).
Só que o ofício - publicado online pelas
direcções regionais de Educação - fecha uma porta
para abrir uma janela. "A cobrança de importâncias
que não as legalmente estabelecidas pode ser
efectuada, desde que objecto de concordância por
parte dos eventuais contribuintes."
A mensagem foi entendida pelas escolas, que
começaram a pedir aos pais donativos para material
de desgaste. Do giz ao papel higiénico (ver
caixa), valia tudo. O problema surgiu quando
alguns encarregados de educação acharam que a
manutenção da máquina fotocopiadora da escola não
devia entrar nas suas contas domésticas.
Se não paga recebe factura
José Luís é pai de três alunos do ensino público
gratuito. "O gratuito, às vezes, faz-me rir", diz. É
que, para além dos 250 euros que gastou em livros e
material escolar para os dois mais velhos, ainda lhe
foram pedidos 15 euros "para resmas de papel e
material didáctico". Quando afirmou que não pagaria,
disseram-lhe que "então, no final de cada mês,
receberia uma factura com todas as despesas" dos
filhos.
O caso já foi denunciado à Direcção Regional de
Educação de Lisboa e ter-se-á passado numa escola do
agrupamento de Vialonga. Contactada pelo DN, a
presidente do conselho executivo da escola sede de
agrupamento, Armandina Soares, disse desconhecer a
situação. "Mas há sempre coisas que podem melhorar
as escolas, e desde que não se peçam fortunas aos
pais, não vejo problema algum", considerou.
Cobranças indevidas
Será um problema histórico? Para o secretário de
Estado da Educação, Valter Lemos, "sim". O
Ministério da Educação "não tem informação de que
esta situação seja genera- lizada, mas, de facto, já
foi pedido às escolas que não façam cobranças
indevidas aos pais". Até porque "há problemas de
práticas históricas deste género, derivadas do
isolamento a que estiveram durante muito tempo
sujeitas as escolas primárias" .
A responsabilidade da gestão dos orçamentos das
escolas é partilhada pelo Ministério da Educação,
pelas câmaras municipais e pelas juntas de
freguesia. Mas "não há regulação nessa matéria",
admite Valter Lemos. O que há, diz, é "um trabalho
com os municípios no sentido da regulação".
António José Ganhão, responsável para a Educação da
Associação Nacional de Municípios, diz que "o que
pode estar a falhar é a transferência de verbas". Do
ME quando se trata de material didáctico (como
livros de apoio), das câmaras no que diz respeito à
manutenção do equipamento e das juntas de freguesia
para "material de desgaste".
Já para as associações de pais, "o que acontece é
resultado do desinvestimento na escola pública".
António Castela, porta-voz da Federação Regional de
Lisboa das Associações de Pais, não tem dúvida de
que "as escolas têm necessidades que não são
satisfeitas pelas verbas que lhes são atribuídas". E
não se opõe ao "voluntarismo". Mas exige
transparência. E deixa o alerta: "As actividades de
enriquecimento curricular são uma boa ideia da
ministra Maria de Lurdes Rodrigues, mas ainda
ninguém falou no que aí vem, que é a necessidade de
comprar livros de Inglês e de Música. Vão ser os
pais a pagá-los?"