Diário de Notícias - 19 Out 06

Mais uma guerra

João Morgado Fernandes

A introdução de portagens nas Scut anunciada ontem pelo Governo é uma medida sensata, na medida em que corresponde à aplicação do modelo utilizador-pagador, ainda para mais num tempo de evidente escassez de recursos públicos. Regista-se, ainda, a intenção de o Governo se propor fazer cumprir o programa eleitoral com que o PS se apresentou às últimas eleições, no qual prometia manter as auto-estradas sem portagens apenas nas regiões com menores índices de desenvolvimento socioeconómico e naquelas em que não existem alternativas no sistema rodoviário.

Se os princípios enunciados pelo PS e mantidos pelo Governo vão no sentido correcto, já a sua aplicação levanta um vasto conjunto de dúvidas, muitas delas, aliás, expressas ontem por alguns autarcas das regiões atingidas pelas mudanças anunciadas.

Se parece ser justo que, por exemplo, a A23 (Beira Interior) continue em via aberta, já que serve uma região claramente deprimida, além de que a alternativa foi, em alguns troços, simplesmente engolida pela auto-estrada, já é mais discutível que a Via do Infante (Algarve) tenha sido salva por uma unha negra, devido à morosidade da alternativa, quando esse mesmo critério não teve qualquer efeito na A28 (Minho), via cujas alternativas (EN13) são, em alguns troços (Vila do Conde ou Póvoa de Varzim, por exemplo), tão ou mais congestionados que a EN125 algarvia. Ainda na via minhota, porque se isentou um troço (Viana-Caminha) por causa dos baixos índices de de-senvolvimento e não se isentaram os troços de Vila do Conde e Póvoa pela morosidade da alternativa (embora, é verdade, aquele troço da A28 seja transformado aos domingos à tarde em autêntico "passeio dos tristes" pelas famílias do Porto que vão almoçar à Póvoa)? Ou, já agora, porque não se aproveitou a oportunidade para corrigir o absurdo da A8, onde se paga portagem de forma intermitente?

A questão das Scut gera discussões animadíssimas entre teóricos, estudiosos e curiosos. Mas é, acima de tudo, algo que tem real impacto na vida das pessoas e na economia das comunidades.

O Governo, que já tem uma frente de guerra aberta com os autarcas por causa da Lei das Finanças Locais, acaba de comprar mais uma frente (com alguns contornos regionalis- tas despropositados, de resto). E as opções do Governo têm, como se vê, algumas fragilidades. Mais uma acha para alimentar a grande fogueira que vais ser 2007.