Público - 11 Out 06
"Aquilo que a escola não apanha, a prisão agarra"
Sofia Branco
Cavaco Silva visita hoje a Escola António Sérgio,
no Cacém, considerada a mais multicultural do país
Há 30 anos, o grupo de
professores da Escola António Sérgio, no Cacém,
concluiu que era necessário dar resposta à população
multicultural que a frequentava. Passando à prática
os conhecimentos teóricos que já existiam, fez "como
os navegadores, por rumo e estima", recorda Manuela
Rebelo, presidente do conselho pedagógico. Hoje, com
dois milhares de alunos de 18 nacionalidades,
prevalece o empenho "contra o fatalismo que vota
certos meninos ao insucesso", mas com a certeza de
que "aquilo que a escola não apanha, a prisão
agarra".
É na Escola António Sérgio - que o Presidente da
República, Cavaco Silva, visita, hoje, no âmbito do
Roteiro para a Inclusão - que estudam Nadiya e Tong.
A primeira, com 16 anos, nasceu na Ucrânia, para
onde quer regressar, após os estudos. A segunda, com
12 anos, nasceu em Portugal, mas ainda viveu a
primeira infância na China, país de origem dos pais
e para onde acha que não fará sentido voltar.
Sentem-se "divididas", porque vivem culturas duplas,
entre o português e a língua dos pais, que falam em
casa ou na escola, com os colegas que a partilham. E
isso não é necessariamente mau. Nas aulas, divulgam
uma das suas pátrias na forma de trabalhos sobre a
cultura, a gastronomia, os costumes. No recreio, há
sempre alguém mais curioso que pergunta: "Como é que
se diz ... em ucraniano?" Na António Sérgio,
sentem-se bem, talvez porque o modelo educativo
veicula que "a aprendizagem nunca está feita", pois
os "problemas são diferentes de aluno para aluno",
explica Manuela Rebelo, a professora que há uns anos
ali foi parar por se ter enganado no concurso e dali
não mais saiu. Consciente de que aquele modelo foge
aos cânones estabelecidos, admite: "É preciso fechar
um pouco a porta ao exterior, quando aqui se entra."
As experiências de Nadiya e Tong com o "racismo" de
"algumas pessoas" assim o revelam. Nadiya conta como
às vezes a chamam de "ucraniana" em forma de
insulto: "Respondo que isso é bom!"
"A escola é um organismo vivo, que tem de ser
permeável, não pode fechar-se em crenças e doutrinas
rígidas", defende Manuela Rebelo, realçando que "um
projecto educativo está sempre sujeito a alterações
em função da realidade". E garante que "é
rigorosamente falsa" a ideia de que uma maior
atenção aos alunos "estrangeiros" - muitos já
nascidos em Portugal - prejudica "a excelência do
ensino".
Mas é sempre possível melhorar. "Não nos podemos
queixar mais do que outra escola. Mas, se calhar,
uma população destas precisava de alguma
discriminação positiva", refere. A resolução dos
problemas não é deixada em mãos alheias. Por
exemplo, a compra de material "para todos" é
assegurada através de uma cooperativa, com dinheiro
dos encarregados de educação. Porque "os alunos são
diferentes, mas têm que ter os mesmos acessos".
Citando o pensador António Sérgio: "Uma rosa é uma
rosa, um gladíolo é um gladíolo, e ninguém peça à
rosa para ser gladíolo, ou ao gladíolo para ser
rosa." "Há falta de espaço físico para fazermos o
que queremos, mas há muito espaço mental", afirma a
presidente do Conselho Executivo, Lurdes Brás.
Toca para o intervalo. São 15 minutos de algazarra,
igual à de qualquer outra escola. Mas com mais
matizes. "No arco-íris humano, respeitam-se todas as
cores", alguém deixou escrito numa folha branca
colada nas paredes do bar.