Diário de Notícias - 09 Out 06

Prestações em dívida multiplicam leilões de casas

Céu Neves
Rodrigo Cabrita (foto)

 

O dinheiro é escasso

 

A sala de um hotel de Lisboa está à pinha e há pessoas sentadas no chão. "75 mil euros, 75 mil e 500, 80 mil, 80 mil e 500...", grita o leiloeiro por cada raquete no ar. São assim os leilões imobiliários, sempre concorridos e cada vez em maior número. Vendem imóveis de gente desesperada, sem dinheiro para pagar as dívidas, a gente esperançada num bom negócio, para investir ou para casa própria. Uns e outros são indicadores de crise, dizem os peritos.

Abel Boa Morte, 39 anos, divorciado, três filhos, encarregado de uma firma alimentar, está entre os segundos. Acha que fez um bom negócio, embora vá gastar mais mil euros dos que os cem mil previstos. Comprou um T2 com 120 m2, de 2001, em Milharado (Mafra), cuja licitação começou em 75 mil euros. "Tem garagem e arrecadação. O do segundo andar está à venda por 135 mil euros. A zona é boa e fica a cinco minutos do trabalho", explica. Só terá de comprar os electrodomésticos encastrados que os devedores levaram e fazer uma pintura. Soube do leilão no banco e teve sorte à primeira.

Os anteriores proprietários, um casal com uma filha, deixaram de pagar o crédito pouco tempo depois de habitarem o T2. Não dão a cara. As dívidas não se exibem. Os vizinhos perceberam que as coisas não iam bem quando eles deixaram de pagar o condomínio, de 25 euros por mês. Ana Ferro, da Luso-Roux, mediadora que também está em Espanha, diz que este é um mercado em ascensão em Portugal, ao contrário do que acontece no país vizinho. "A conjuntura económica não tem sido fácil para a família média/baixa portuguesa. E a banca oferece um leque cada vez mais vasto de soluções de crédito que, se por um lado permitem um acesso mais alargado a um conjunto de bens, por outro agravam o endividamento e incrementam o crédito malparado", explica.

Os leilões imobiliários começaram por atrair os pequenos investidores, mas há cada vez mais pessoas à procura de habitação, escritório ou loja próprios. O público-alvo "são as famílias de extracto sócio-económico médio da periferia dos grandes centros urbanos", diz Ana Ferro.

É o caso de Amadeu Baldé, 36 anos, que comprou um T2 de 80 m2, de 1982, em Alfornelos, Amadora, para um familiar imigrante, por 95 mil euros. Custou mais 25 mil do que a base licitada e podia ir até aos 98 mil. "É um pouco mais barato e o crédito é imediato", diz. Tiveram conhecimento da venda cinco dias antes do leilão. Viram três casas e ficaram com a primeira escolha.

A casa teve dois proprietários. O último, um jovem professor de artes marciais, comprou-a em 1998 e começou a falhar as prestações cinco anos depois, bem como o condomínio (25 euros por mês). Usou-a pouco e ainda a alugou a estudantes, mas as coisas não correram bem. Ambos os apartamentos pertencem a um lote de 65 imóveis do BCP transaccionados no dia 24 de Setembro pela Luso-Roux, um dia depois de leilão idêntico no Porto. Vendem, em regra, imóveis com tipologias T1 e T2 dos distritos de Lisboa (Sintra, Amadora, Loures, Almada, Seixal e capital), Setúbal, Porto (cidade e Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia), Faro e Viana do Castelo.

Vendaram 54 imóveis numa tarde, 83% do total. A casa que teve maior valorização, um T2 com 120 m2, no Beato, em Lisboa, foi arrematada por 173 mil euros, mais 73 mil que o valor-base. Eram vários os pretendentes e a sala foi ao rubro. Em geral, os compradores são felicitados pelos presentes, mas neste caso as opiniões dividiram-se.

"Ficou muito acima do meu limite. Pode ser uma boa compra para habitação própria, mas não é para quem a queira voltar a vender. Já é velha [1981], precisa de obras e não tem garagem", explica Manuel Alves, 54 anos, engenheiro civil.

A Luso-Roux realizou 17 leilões o ano passado. Venderam 500 (58%) das 862 fracções licitadas e cujo valor global era de 51 milhões de euros. Em 2006 fizeram 16 leilões e já estão a atingir as vendas de 2005. Apenas alguns metros abaixo e à mesma hora, a Euroestates promove o leilão de 55 imóveis da Caixa Geral de Depósitos. Esta sala de hotel é maior e há menos confusão. "A percentagem de colocação/concretização tem vindo a subir significativamente. Se nos primeiros leilões, finais de 2003, a percentagem de venda era da ordem dos 10/20%, nos últimos ultrapassa os 50%", diz Diogo Libério, o responsável pela área.

André Monteiro, 72 anos, empresário agrícola, comprou o primeiro lote em leilão, um T1, em Sobral de Monte Agraço, de 58,5m2 (licença de 1988). A licitação começou em 42 mil euros e ele deu 49 500. "Fica ao pé da minha da casa e está dentro do valor que eu queria gastar. Só ia até aos 50 mil. Vou fazer obras e será para alugar", diz. O valor comercial indicativo era 55 mil euros.

Nem todos os inscritos compram casa, mas esses prometem voltar.