Era uma vez uma cidade, longe, muito longe, na qual
viviam gentes tranquilas e curiosas, dedicadas ao
conhecimento e ao estudo. Nesta cidade, o principal
bem era o saber e a sua partilha. Os mais velhos
ensinavam os mais jovens e estes, ávidos de
aprender, desvendavam novos trilhos, investigavam,
descobriam e, por vezes, surpreendiam os seus
mestres. Nesta cidade, longe, muito longe, a
discussão, a dúvida e a razão eram as verdadeiras
deusas e todos os dogmas eram questionados.
A cidade não era, contudo, um sítio perfeito. Nem
todos os mais velhos gostavam mesmo de repartir o
seu saber e alguns havia já muito tempo que se
tinham desinteressado de experimentar novos
caminhos. Por outro lado, nem todos os mais jovens
tinham realmente sede de conhecimento. Alguns
procuravam apenas as honrarias e a reputação
concedidas por ter vivido na cidade. Alguns destes,
na verdade, eram pouco ágeis no dedilhar das ideias
e ressentiam-se da forma como elas brilhavam nas
bocas de outros colegas e mestres. O despeito, o
medo e a frustração instalavam-se e, com elas, a
vontade de poder.
Um dia, tribos bárbaras invadiram a cidade. Vultos
vestidos de negro, com longas capas e vestes
obscuras, surgiram de um dia para o outro e
anunciaram a sua chegada com cânticos ameaçadores e
obscenos. Intimidaram os recém-chegados à cidade,
conspurcaram-lhes o rosto e mancharam-lhes as
roupas. Falavam apenas em altos gritos e os
recém-chegados eram proibidos de os olhar de frente.
De porte curvado, de joelhos, espojados no chão,
eram forçados a prestar-lhes vassalagem. As
mulheres, os mais tímidos ou os mais frágeis eram
particularmente humilhados e constrangidos a tomar
parte em jogos de submissão, simulando actos sexuais
ou exibindo cartazes degradantes. Todos os dias
inventando novos rituais para exibir o seu poder, os
membros da tribo simulavam ser donos do saber e
forçavam os noviços a chamar-lhes "senhor doutor".
Encabeçando tais grupos predatórios estavam
precisamente os mais incapazes dos jovens membros da
cidade, aqueles que sucessivamente fracassavam no
intuito de lhes ser atribuído o tal ambicionado
estatuto.
Temerosos da reacção dos bárbaros e querendo
proteger a reputação da cidade, preocupados com os
seus projectos pessoais e por vezes constrangidos
pelo peso dos seus próprios desígnios de poder, os
mestres encolheram-se perante a invasão destas
hostes agrestes e nada fizeram para proteger aqueles
que consigo vinham aprender. Fecharam-se nos seus
laboratórios e bibliotecas e esperaram que a
barbárie, naturalmente, esmorecesse. Tornaram-se
cúmplices do espezinhar do espírito de quem tanto
tinha lutado para chegar à cidade. E assim a
barbárie, periodicamente, renasceu...
Esta é, obviamente, uma crónica de ficção. Qualquer
semelhança dos acontecimentos descritos com o que se
passa nas universidades em tempos de praxe não é,
contudo, mera coincidência. Professora universitária