Televisão a opção reles
João César das Neves
Boa parte da programação dos canais
generalistas, sobretudo SIC e TVI, é
ordinária. Não está em causa a qualidade
técnica, sofisticação de métodos ou
pergaminhos dos participantes. É a escolha
dos temas e atitude no tratamento que é
boçal, rasca, estúpida. Mas, ao contrário do
que se diz, tal não se deve a imperativos de
sucesso ou exigências do público. É mesmo
falta de talento dos produtores. A grosseria
não vem do que os espectadores impõem, mas
do que os autores conseguem.
Devo confessar que não falo por experiência
directa. Há anos classifiquei esses
programas na categoria de "lixo tóxico" e
deixei de ver. Descobri, no entanto, que o
poder da televisão se estende mesmo aos que
a não vêem. Conversas de amigos e relatos de
jornais fazem sentir a sua influência. Por
isso sei que, mesmo ignorando nomes e
desconhecendo pormenores, a descrição que se
segue é justa e exacta.
Existem evidentemente rubricas e
profissionais de qualidade. Mas no horário
nobre, nos programas de grande audiência,
dominam as opiniões idiotas, a brejeirice
tonta, o disparate assumido, a gabarolice e
vaidade, o sexo ou a simples alarvice.
Novelas, concursos, shows e
telejornais assumem que a imoralidade é
popular, natural, recomendada. Adultério,
aldrabice, fornicação, corrupção e
malandragem são a dieta quotidiana da
televisão.
Isto não é escolha do público, mas decisão
dos canais. Claro que há gente que gosta de
se espojar na lama, mas a maioria dos
portugueses é composta de pessoas normais,
que se sentem tentadas pelo prazer e
elevadas pela sabedoria. A escolha está na
televisão. A opção pela parvoíce,
pornografia e aviltamento não vem do grande
público, mas do pequeno produtor. A
devassidão das séries juvenis não nasce de
um deboche generalizado nas escolas
nacionais, mas da depravação privada dos
seus autores. Não é Portugal, mas o pequeno
mundo da televisão, que faz germinar
porcarias destas.
Outros países, e até o nosso às vezes,
mostram bem como é pos- sível fazer
programas populares de qualidade, como se
pode ter, ao mesmo tempo, graça e interesse,
sucesso e elevação. Mas, evidentemente, isso
é impossível a autores sem valor, que se
refugiam na asneira. O caso do humor é
revelador. Perante uma sala, um comediante
pode dizer uma piada inteligente e bem
concebida, ou fazer uma alusão insultuosa ou
obscena. Em ambos os casos ele arrancará,
naturalmente, uma gargalhada. Se, por
preguiça ou incapacidade, envereda pela
facilidade, pensa "é mesmo disto que a malta
gosta!".
À falta de talento junta-se, assim, o
tradicional desprezo que as elites nacionais
têm pelo povo. As televisões assumem que
quem os vê é estúpido e bruto. Esse desdém
pelo cliente sente-se, desde logo, no
descuido com que os canais violam os seus
próprios horários de programação. Mas o
principal sinal está na opção arrogante pela
indoutrinação da massa ignara. É curioso,
mas triste, voltar a ver a atitude
paternalista do salazarismo, agora com
propósitos opostos.
Por exemplo, dizem-me que nestes meses
vários concursos e novelas decidiram
outorgar ao país um curso catequético
completo sobre homossexualidade. Impondo os
dogmas do género e elaborando as doutrinas
da seita, querem apresentar essa visão como
a única verdade aceitável. O pedantismo é o
mesmo dos antigos programas do Movimento
Nacional Feminino sobre lavores ou economia
doméstica; a subtileza é igual à das
Conversas em Família, de Marcelo
Caetano. Só que sobre sodomia.
Que se pode dizer acerca disto? Que esta
fase não vai durar muito. Num mundo aberto,
o mau gosto raramente domina a totalidade. O
deslumbramento libertário acabará por ceder
ao enjoo, à reacção dos bons profissionais,
à frescura da nova geração. Aliás, contando
com a ajuda da tecnologia. A TV por cabo
traz verdadeira liberdade e os programas aí
têm de ser bons para segurar os
subscritores. Com a penetração desta última,
não tarda que os canais generalistas tenham
de mudar. Senão passarão a meros canais
temáticos da obscenidade.