Público - 18 Out 03

"Os Preços Sobem de Um Dia para o Outro"
Por RICARDO BATISTA

O que outrora poderia ser encarado como um discurso saudosista, hoje em dia é uma dura realidade. Nos tempos que correm, para se fazer uma simples sopa, mais do que adicionar água e alguns legumes, o tempero deve ser apurado com a capacidade de gestão de quem olha para os bolsos de cada vez que vai às compras.

A crise é uma realidade e candidatos a responsáveis são mais que muitos. Isso é, pelo menos, o que diz a voz do povo que diariamente se vê confrontado com os efeitos da entrada em circulação da moeda única ou com o que considera ser um conjunto consecutivo de más politicas governativas. O dilema é constante não só para quem tenta nos mercados municipais fazer com que o contacto humano faça esquecer a carteira menos recheada, como também para quem ali procura complementar as magras reformas com a venda de alguns produtos.

O dia começa, com o sol a espreitar timidamente entre as nuvens que lembram que o Inverno já chegou. Com a manhã, começa também a rotina de quem habitualmente visita as bancas do Mercado Municipal de Corroios. O movimento até não é muito, mas ainda assim não falta quem procure "aviar-se" antes mesmo de começar o dia de trabalho. É o caso de Maria Inácia, que por fazer do mercado um ponto de passagem diário antes mesmo de ir para o emprego, se apercebe que "os preços sobem de um dia para o outro". "Desde que veio o euro, não há dinheiro que chegue", lamenta, antes de se despedir, apressada.


"Para um reformado, as constantes subidas dos preços notam-se e de que maneira", refere Humberto Costa, que passou a visitar com regularidade as bancas do mercado, sobretudo para comprar produtos hortícolas.

O cheiro que paira no ar é indisfarçável. Ali respira-se a frescura dos produtos, muitos deles nacionais, até porque nem todos têm a possibilidade de recorrer ao mercado espanhol. "Em Portugal, os químicos para tratar os produtos estão pela hora da morte e o que eu ganho não dá para os gastos", salienta Irene, uma das habituais vendedoras do Mercado de Corroios que confessa não ter hipóteses de ir comprar produtos a Espanha. Ainda assim, considera que a grande maioria da sua "freguesia" prefere o produto nacional, "que, apesar de mais feio, é melhor", diz, apontando para a caixa de laranjas de uma bancada vizinha.

A ronda incluiu, ainda, uma paragem quase obrigatória na Ribeira. De olhos voltados para o Tejo, o Mercado da Ribeira estava ainda composto apesar da hora de almoço se aproximar a passos largos. "Saímos de casa com 10 ou 20 contos na algibeira para as compras e ele depressa desaparece", refere Maria João, num desabafo sintomático do desconforto que os preços dos produtos hortícolas e das frutas causa. A batata e o tomate são dos produtos com maior variação de preço, muito por culpa das chuvas de Inverno que ameaçam constantemente as culturas. Mas a necessidade que muitos dos comerciantes têm de escoar os seus produtos leva a que muitos sejam vendidos abaixo do preço de compra, sob pena de não poderem ser aproveitados. "Já viu a qualidade deste tomate?", questionou Luís Sousa, apontando para o legume, que considerou estar a metade do preço do que se vende nos hipermercados, culpando para isso a lei do mercado.

Para quem frequenta os mercados municipais, como os de Corroios e Lisboa, o "caldo" há muito que está entornado. O caldo que, para além de uma pitada de gestão, vai tendo cada vez mais uma dose de conformismo q.b..

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