Público - 8 Out 03
Apoio para Quem?
Por NUNO PACHECO
As praxes, sobre as quais já muito se escreveu, podem ser vistas assim:
"Foi bom, gostei, foi divertido e deu para nos conhecermos melhor". Ou
assim: "Às vezes as pessoas não se aguentam, ontem houve algumas raparigas
que choraram." Estes pequenos excertos de depoimentos, recolhidos no
âmbito de um destaque sobre as praxes no PÚBLICO do passado domingo,
encerram a contradição habitual do acto. Mais ou menos humilhação mais ou
menos abusos de poder, as praxes são rituais de integração que muitas
vezes passam as marcas do racional e humanamente suportável. Além de que
são um hábito em cadeia: o praxado esperará, ansioso, pelo dia em que
puder ter a sua própria "vítima". O género humano sempre conheceu
fenómenos idênticos, às vezes em condições extremas.
Recentemente, os abusos deram lugar a comissões e inquérito. A praxe que
se manteve civilizada seguiu adiante, sem medo de represálias. A outra
viu-se a contas com a justiça. Isto sucedeu no triste caso da Escola
Superior Agrária de Santarém, onde uma aluna foi esfregada com esterco,
insultada durante horas e virada de cabeça para baixo num penico; e também
em Macedo de Cavaleiros, onde outra aluna se queixou de que a tinham feito
rebolar na lama, simular orgasmos e insultar a família. Tudo coisas para
ajudar à boa aceitação na tribo, como se depreende. Por isso dos
inquéritos vêm, agora, os castigos.
Mas nem tudo tinha sido já visto nesta matéria. Há dias, soube-se que onze
alunos de cara tapada tinham simulado um assalto a um banco em Oeiras.
Quando a polícia os deteve, explicaram que era "da praxe". Que havia "dois
ou três mais velhos", presume-se que os notáveis praxadores, a
comandá-los. E que estavam ali a cumprir ordens. Mesmo que Portugal tenha
ficado mais sossegado com o facto de semelhante praxe não incluir outras
ousadias como "simulação" de violações ou actos irremediáveis de
vandalismo público, não deixa de ser inacreditável como alunos
recém-chegados ao Instituto Superior Técnico se deixem enredar em tamanha
idiotice. Agora, noticiam os jornais, estarão a receber "apoio
psicológico". E os "praxadores", o que recebem? Apoio técnico? O que se
passará com tão particulares espécimes do nosso mundo para não
descortinarem a diferença entre o suportável e o inadmissível? A que
"tribo" pertencerão? E o que tencionam fazer no futuro, para reservarmos
desde já apoio psicológico para as suas eventuais vítimas?
Longe destas nossas bizarrias praxistas, em Marrocos uma professora
zangou-se com dois alunos e atirou-os pela janela da sala de aula, num
primeiro andar. Eles estavam a fazer barulho, ela avisou-os e eles não
ligaram. Resultado: ferimentos graves na cara e na cabeça de um, lesões
ligeiras noutro. O ministério da Educação em Casablanca explicou,
solícito: "Eles não ouviram. Deviam ter ouvido." Não consta que em
Marrocos haja apoio psicológico. Para a professora ou para o ministério. E
muito menos para os alunos. |