Crise económica e a outra pandemia
Pedro Afonso
Médico Psiquiatra
Portugal está a atravessar uma crise económica com
mais de meio milhão de desempregados. Embora não
haja estudos rigorosos entre nós, a verdade é que,
na prática clínica, os psiquiatras têm observado um
número crescente de episódios depressivos e ansiosos
relacionados com a actual crise. Portanto, a gripe A
não é a única pandemia que assola os portugueses; a
doença mental - neste caso, associada a reacções
depressivas - parece que tem vindo a aumentar
preocupantemente na população, atingindo vários
estratos sociais.
O desemprego de longa duração, para além das
implicações económicas, tem também consequências
psíquicas uma vez que ao fim de algum tempo a pessoa
desmoraliza, sente-se inútil, e a ociosidade forçada
acaba por se reflectir negativamente na sua saúde
mental. Infelizmente, este drama social não está a
ter a devida atenção das autoridades, dado que não
foi elaborado nenhum plano de apoio para estas
pessoas. Aliás, este é um dos problemas da nossa
sociedade uma vez que se preocupa excessivamente com
estatísticas e números, esquecendo os problemas
reais dos cidadãos.
Este momento difícil deve servir para reflectirmos
de que não é possível continuarmos a viver neste
ritmo acelerado. Tudo se modifica demasiado
rapidamente, e aquilo que há tempos atrás demorava
20 anos para acontecer, agora, demora metade ou um
terço do tempo. As mudanças sociais, laborais,
políticas, económicas, ocorrem a um ritmo
estonteante retirando ao indivíduo o tempo
necessário de adaptação. Nas empresas os resultados
económicos são medidos em ciclos cada vez mais
curtos, as reestruturações tornaram-se uma rotina e
as fábricas deslocalizam-se subitamente de um país
para outro, aumentando a insegurança. Os próprios
consumidores ficam confusos pois os ciclos de vida
dos produtos encurtaram-se drasticamente, tornando
obsoletos objectos perfeitamente funcionais. Ninguém
sabe exactamente em que direcção segue o progresso,
o mais importante é seguir de acelerador a fundo.
As mudanças sociais e económicas, que surgem a um
ritmo alucinante, conduzem a uma inadaptação
crescente, o que leva as empresas a recrutarem
preferencialmente pessoas mais jovens porque se
adaptam mais facilmente. Este é o motivo pelo qual
um trabalhador se torna cada vez mais irrecuperável
para o mercado de trabalho a partir dos quarenta
anos. Mas como explicar a um indivíduo de quarenta
anos, ou até mesmo de cinquenta anos, que deixou de
ser útil à sociedade? Qual a racionalidade de
excluir estas pessoas do mercado de trabalho se a
população está envelhecida e a segurança social em
risco de ruptura?
Importa sublinhar que esta ?pandemia depressiva? é
também um reflexo da incapacidade de adaptação do
Homem a esta sociedade em constante mudança; em
constante progresso. A actual crise económica não se
deveu apenas à ganância e à falta de ética dos
gestores. Na sua origem está também a obsessão de
que só a mudança origina bem-estar. Contudo, é
preciso afirmar que nem sempre mudança significa
progresso. O Homem necessita de estabilidade e
segurança, talvez por isso é que nunca como agora se
venderam tantos seguros.
Através do progresso tresloucado, a sociedade acaba
por criar o seu próprio ?vírus social? que vai
sofrendo mutações em ciclos progressivamente mais
rápidos, impedindo que o nosso organismo reaja,
aumentando o número dos inadaptados; ou seja, os que
sofrem de depressão e ansiedade. Não havendo vacina
para este vírus, torna-se urgente pararmos um pouco,
contrariar esta ditadura do progresso, que tem
consequências sociais enormes, e criar espaço para
que surjam ideologias. De outro modo, e citando
Francis Bacon, a coisas mudam para pior
espontaneamente se não forem mudadas, para melhor,
de propósito.