Estamos confrontados com a estagnação, que se traduz
na provável necessidade de renunciar a expectativas
e ambições
Nunca um governo, antes deste, viu passar tantas
manifestações e tantos líderes da oposição. Segundo
o PÚBLICO, das quatro maiores enchentes de rua desde
o 25 de Abril, três tiveram José Sócrates como alvo.
O PSD, entretanto, fez avançar quatro presidentes em
três anos (Santana, Mendes, Menezes e Ferreira
Leite), esgotando todas as receitas possíveis:
houve-os de Lisboa e da província, quase liberais
(Mendes) e quase populistas (Menezes), a falar muito
(Menezes) e a falar pouco (Ferreira Leite), e por aí
fora. Mas enquanto a CGTP aluga autocarros para vir
a Lisboa e o PSD muda de presidente como quem muda
de camisa, as sondagens de opinião não fazem mais do
que manter a especulação sobre se Sócrates vai ou
não repetir a maioria absoluta no Outono de 2009.
Noutros países, nos últimos quatro anos, não foi
assim. Nos EUA, republicanos e democratas inverteram
completamente as posições e as expectativas. Em
Itália, a esquerda saiu, Berlusconi regressou, e
agora a esquerda, renovada, parece querer voltar
outra vez. Em Inglaterra, conservadores e
trabalhistas trocaram várias vezes de lugar na
corrida para as próximas eleições. Em Espanha, a
rotação já está no mapa dos próximos anos. Em
Portugal, porém, o padrão eleitoral de 2005 tem-se
repetido sondagem após sondagem, como se o relógio
eleitoral tivesse parado então. Nem a crise
financeira, que pelo mundo fez girar a roda de
tantas fortunas, conseguiu empurrar o carrossel
político português.
As boas maneiras de pensar mandam que se culpe a
oposição, sobretudo a que está à direita do PS. As
direitas, diz-se, não teriam "alternativa",
justificando assim a relutância dos portugueses em
inflamar as sondagens. O problema é que, embalados
pela queixa, nos habituámos a falar da tal
"alternativa" como se fosse uma coisa à mão de
semear, daquelas que se compram nos supermercados,
já prontas a usar. Infelizmente, não é bem assim.
Uma "alternativa" não se improvisa com inspirações
avulsas - é o resultado de muito trabalho. Pior: uma
"alternativa" não se faz apenas com "ideias", mas
com pessoas, com os protagonistas mais apropriados.
Mais grave ainda: uma alternativa depende também de
circunstâncias, daquele momento em que o público,
cansado do que existe ou desperto para outras
opções, resolve experimentar, arriscar - porque uma
alternativa é sempre um risco (se fosse uma certeza,
nunca chegaria a ser uma "alternativa": seria
imediatamente realizada).
Uma alternativa não surge necessariamente quando nos
convém, mas quando é possível: quando os
protagonistas existem e estão no seu lugar, os
projectos foram elaborados e fazem sentido, e a
sociedade está disposta a tentar algo de novo. A
questão, portanto, não é saber se Portugal precisa
de uma alternativa, mas saber se pode ter uma
alternativa.
Perante si, os portugueses têm uma oposição de
esquerda encerrada numa espécie de parque jurássico
mental (veja-se o seu actual "regresso" a Marx), e
uma oposição de direita que, depois de muitas
voltas, ainda não conseguiu perceber o que lhe
aconteceu da última vez que passou pelo governo, em
2002-2005. As esquerdas da oposição animam as ruas,
e as direitas fazem a devida marcação parlamentar
aos ministros. Nada mais. Mas é só isso que nos
limita?
Os portugueses vivem num país parado desde 2001,
quando rebentou a grande bolha do Estado. Para
equilibrar as contas, o Governo passou a gastar uma
parte cada vez maior dos nossos rendimentos. Durante
algum tempo, vigorou a esperança de que as
dificuldades seriam temporárias, como várias vezes
acontecera nos últimos trinta anos, e que em breve o
país voltaria a "arrancar". Não arrancou. Perdemos
aquela que foi uma das grandes épocas de crescimento
da economia mundial. E agora que a locomotiva
externa parou, não se vê como vamos andar.
As actuais gerações portuguesas estão assim
confrontadas com um horizonte absolutamente inédito
neste país desde há mais de sessenta anos: a
estagnação, isto é, a provável necessidade de
renunciar a expectativas e ambições. É possível que
a frustração, como acontece nestes casos, provoque
algum movimento. Mas há algo de mais sério: os
portugueses de hoje não são como os de ontem. Somos
uma população envelhecida, a diminuir, desabituada
de sacrifícios e de esforços, mais atomizada do que
nunca, e portanto mais frágil e insegura. Que
alternativa está à altura e ao alcance destes
portugueses? Enquanto esta pergunta não tiver
resposta, a "alternativa" continuará a ser uma
daquelas banalidades que servem para atormentar os
políticos nas entrevistas, mas para mais nada.
Historiador