Crise da família, início da crise social segundo
o filósofo e político Rocco Buttiglione Francisco Javier Tagle
O começo da crise da família é o princípio de uma
crise social mais extensa, afirmou o filósofo e
político italiano Rocco Buttiglione nas páginas do
último número de revista Humanitas (www.humanitas.cl).
O seu texto corresponde à conferência que pronunciou
no claustro da Universidade Católica, em Santiago,
para a inauguração do «Centro UC para a Família».
«Os jovens sempre criticaram a autoridade e chocaram
com seus pais. Mas aconteceu raras vezes na história
que os pais fugiram do seu dever e renunciaram por
covardia à sua missão. Mitscherlich e Van der Does
de Villebois foram os primeiros em chamar a atenção
sobre o risco de uma sociedade sem pai, na qual os
jovens homens não interiorizam os valores
fundamentais da virilidade, não aprendem a beleza de
cuidar de uma mulher e dos filhos gerados com ela»,
diz o académico, que é membro do Conselho de
Consultores e Colaboradores da Revista Humanitas.
Em seu texto, o autor começa por explicar que o amor
é um acto de vontade, que contém a decisão de
resistir diante das provas da vida e do amor.
«Poderíamos dizer que o amor é um enamoramento
aprovado e sancionado pela razão. O amor não é (só)
um estado emocional, mas é a decisão de pôr sua
própria vida ao serviço do cumprimento da vocação da
pessoa amada na verdade e no bem», assinala.
Na relação do homem com a mulher, explica, o amor
faz que a pessoa já não possa definir-se a si mesma,
mas só através da pessoa amada: «somos uma pessoa na
outra e uma para a outra». Desta maneira, afirma
que, ainda que o amor contenha muitas penas e
problemas, nada torna a vida mais plena como amar e
ser amado.
«O amor gera uma nova vida. Ainda que esta
eventualidade em geral esteja presente só vagamente
na consciência dos esposos, o fato de que dos actos
sexuais nasçam crianças não é só extraordinariamente
importante para a sociedade, mas contribui de
maneira decisiva para dar forma ao amor do homem e
da mulher», explica.
Daí, adverte, a diferença entre o enamoramento e o
amor. Enquanto o primeiro é somente um estado
emocional, o segundo responde a um acto de vontade.
«O amor conjugal assume conscientemente o desejo
sexual e suas consequências na geração dos filhos, e
oferece seu apoio para que se cumpra o destino,
próprio e do outro, de converter-se em pai e mãe, de
serem pais», diz.
É por isso que, assinala Buttiglione, um «simples»
estado emocional como o enamoramento não é
suficiente para gerar um filho, como é, ao
contrário, um amor conjugal estável e fiel, já que
neste último prometemos nosso amor, atenção e
felicidade, «na saúde e na doença».
«É claro que quando nos prometemos mutuamente amor e
felicidade para toda a vida, fazemos algo
extremamente árduo. Quem pode pensar que tem em si a
força moral suficiente para estar seguro de que
manterá este compromisso diante das imprevisíveis
vicissitudes que a vida nos apresenta?», adverte o
académico, e responde que «é por isso que os crentes
confiam a Deus a esperança de uma promessa cujo
cumprimento pode assegurar-se só com a sua ajuda».
Com relação aos filhos, o político italiano explica
que a criação e educação de uma criança «é uma
tarefa árdua», pelo que sempre será melhor a
presença do homem consciente também de sua
responsabilidade.
«Nos primeiros meses de vida, a criança reconhece
sua mãe: acostumou-se por nove meses ao batimento de
seu coração. Ao contrário, o recém-nascido não
reconhecerá seu pai: é através da mediação da mãe
que o pai é reconhecido como tal pela criança»,
afirma. A mãe, geralmente, é a encarregada de dar
«segurança» à criança, enquanto o pai será quem,
habitualmente, lhe ensinará o sentido do «dever».
«Portanto, o papel masculino e o feminino se
diferenciam por razões naturais e funcionais»,
assinala. Ainda que a distinção não seja rígida e vá
mudando com o tempo e o espaço, a diferença é
necessária para «sustentar o processo da educação.
Além disso, a diferenciação tem uma base natural na
estrutura biológica do homem e da mulher», afirma.
Buttiglione pergunta-se acerca de se é possível uma
civilização que rejeite o dom da feminilidade, que
fuja da tarefa de preparar as mulheres para serem
mães. «Quando ocorre, a sociedade consome-se e
morre», responde. E agrega: «Em geral, isso marcou
mais o destino e decadência de grupos dirigentes
reduzidos como na crise final do Império Romano. Mas
em nossa época, o fenómeno adquire uma dimensão de
massas e ameaça a própria sobrevivência de nossa
cultura», adverte.
Na cultura feminista, exemplifica, a concepção, que
é a essência da feminilidade, é vista como negativa;
assim também o papel do pai, que também foi
questionado mediante a «demonização» da autoridade.
A crise da família afecta, em consequência, toda a
sociedade, devido a que «o ideal de fraternidade
humana, de todos os homens, seria inconcebível se
não existisse a própria experiência da família».
Buttiglione expõe em seu texto que a família é o
princípio de unidade dos seres humanos, onde a
unidade não nasce da opressão, mas da entrega mútua
de reconhecimento, liberdade e amor.