Cheque-ensino? Não, a escolha da
escola!
Francisco Vieira e Sousa
Mais do que mudar as suas crianças
de escola, os pais desejam que a escola funcione
melhor
A publicação dos rankings das
escolas provocou uma proliferação de opiniões, pelo
que urge clarificar alguns aspectos do debate,
nomeadamente os que se prendem com a clivagem
público-privado e o cheque-ensino.
Desde logo, importa esclarecer que o
instrumento cheque-ensino é usado de diferentes
maneiras em situações muito variáveis. É possível
ser-se simultaneamente contra e a favor do
cheque-ensino, conforme a realidade que ele esteja a
traduzir. Nos Estados Unidos, onde a ideia nasceu,
decorrem nove programas de cheque-ensino financiados
por dinheiros públicos. Os programas mais antigos, e
aqueles sobre os quais se realizaram mais estudos,
são os de Cleveland e Milwaukee. Acontece que nestes
casos, como no programa de Washington DC, apenas se
podem candidatar ao cheque-ensino alunos
provenientes de famílias com baixos rendimentos.
Existe também um programa no estado da Florida em
que apenas são elegíveis alunos que frequentem
failing schools, ou seja, escolas que tenham
recebido classificação negativa por três anos
consecutivos.
Poucas foram as famílias que
recorreram a este instrumento: os estudos de opinião
indicam que, mais do que mudar as suas crianças de
escola, os pais desejam que a escola funcione
melhor; por outro lado, graças a esta e outras
medidas (que deveriam ser objecto de estudo), tem
especial interesse o facto de a maioria das failing
schools melhorarem quando há concorrência entre as
escolas.
Dos restantes cinco programas, dois
deles destinam-se exclusivamente a alunos com
necessidades educativas especiais e outros dois a
alunos cuja área de residência não dispõe de escolas
com o grau de ensino apropriado. Finalmente, há
ainda o programa do estado de Utah, que só foi
lançado em 2005-2006. Posto isto, dificilmente se
percebe a colagem que Rui Tavares e Vital Moreira
fizeram entre escolas de elite e cheque-educação,
indiciando que esta medida prejudicaria as piores
escolas e as classes desfavorecidas em favor das
melhores escolas e dos mais ricos. Será que falam
sem conhecerem bem do que estão a falar? O
cheque-ensino é apenas um instrumento, colocá-lo no
centro da reflexão só serve para confundir as
pessoas. Até porque a questão prioritária e central
no debate sobre o modelo organizacional do sistema
de ensino é a possibilidade de escolha da escola.
A liberdade de escolha da escola
existe em muitos países, enquanto o cheque-ensino
tem no mundo uma reduzidíssima expressão - no total,
em 2004-2005, os nove programas de cheque-ensino dos
EUA abrangiam apenas 36.521 alunos. Já a
possibilidade de escolha da escola pelos pais é uma
realidade que tem vindo a crescer. Com pequenas
variações, que reflectem as particularidades
nacionais, em países como a Holanda e a Bélgica (há
dezenas de anos) ou a Suécia e a República Checa
(nos últimos 20 anos), as famílias podem escolher
livremente a escola dos filhos, não se dando
qualquer importância ao facto de a escola ser
propriedade do Estado (administração central ou
local) ou de entidades privadas (com ou sem fins
lucrativos). Naturalmente que estes sistemas de
ensino têm regras que garantem a sua equidade, e
ninguém esperaria que assim não fosse. Desde logo, o
Estado suporta a totalidade (ou quase) do valor da
propina, pelo que não há qualquer discriminação com
base na capacidade financeira da família. Para além
disso, a propina tem de estar em sintonia com o
montante médio dos gastos estatais com o ensino.
Ninguém espera milagres destas
medidas, mas certamente que merecem o benefício da
dúvida, ou seja, vale a pena estudar com cuidado as
soluções que outros souberam encontrar, quando a
falência dos sistemas de ensino centralizados se
tornaram evidentes. Note-se que um dos países
citados, a Suécia, foi na década de 70 a referência
escolhida no desenho do nosso actual sistema de
ensino; porém, enquanto a Suécia soube fazer as
reformas que a realidade impunha na década de 90, em
Portugal há ainda quem peça que tenhamos "fé" num
dos piores sistemas de ensino da União Europeia.
Finalmente, ao contrário do que Rui
Tavares e Vital Moreira sugerem, é difícil conceber
um sistema de ensino mais penalizante para os pobres
do que aquele que existe em Portugal: 40 por cento
dos alunos estão condenados ao insucesso e abandono
escolar, em especial os que são oriundos de famílias
desfavorecidas. Paradoxalmente, estes ainda ajudam a
pagar, com o dinheiro dos seus impostos e por via de
um sistema de financiamento iníquo, o ensino
superior das classes média e alta. Membro da
direcção do Fórum Liberdade de Educação, militante
do PS
Diz, ainda, que, «devia ser criado um subsídio
directo».