Público - 13 Nov 07

Cheque-ensino? Não, a escolha da escola!
Francisco Vieira e Sousa

Mais do que mudar as suas crianças de escola, os pais desejam que a escola funcione melhor

A publicação dos rankings das escolas provocou uma proliferação de opiniões, pelo que urge clarificar alguns aspectos do debate, nomeadamente os que se prendem com a clivagem público-privado e o cheque-ensino.

Desde logo, importa esclarecer que o instrumento cheque-ensino é usado de diferentes maneiras em situações muito variáveis. É possível ser-se simultaneamente contra e a favor do cheque-ensino, conforme a realidade que ele esteja a traduzir. Nos Estados Unidos, onde a ideia nasceu, decorrem nove programas de cheque-ensino financiados por dinheiros públicos. Os programas mais antigos, e aqueles sobre os quais se realizaram mais estudos, são os de Cleveland e Milwaukee. Acontece que nestes casos, como no programa de Washington DC, apenas se podem candidatar ao cheque-ensino alunos provenientes de famílias com baixos rendimentos. Existe também um programa no estado da Florida em que apenas são elegíveis alunos que frequentem failing schools, ou seja, escolas que tenham recebido classificação negativa por três anos consecutivos.

Poucas foram as famílias que recorreram a este instrumento: os estudos de opinião indicam que, mais do que mudar as suas crianças de escola, os pais desejam que a escola funcione melhor; por outro lado, graças a esta e outras medidas (que deveriam ser objecto de estudo), tem especial interesse o facto de a maioria das failing schools melhorarem quando há concorrência entre as escolas.

Dos restantes cinco programas, dois deles destinam-se exclusivamente a alunos com necessidades educativas especiais e outros dois a alunos cuja área de residência não dispõe de escolas com o grau de ensino apropriado. Finalmente, há ainda o programa do estado de Utah, que só foi lançado em 2005-2006. Posto isto, dificilmente se percebe a colagem que Rui Tavares e Vital Moreira fizeram entre escolas de elite e cheque-educação, indiciando que esta medida prejudicaria as piores escolas e as classes desfavorecidas em favor das melhores escolas e dos mais ricos. Será que falam sem conhecerem bem do que estão a falar? O cheque-ensino é apenas um instrumento, colocá-lo no centro da reflexão só serve para confundir as pessoas. Até porque a questão prioritária e central no debate sobre o modelo organizacional do sistema de ensino é a possibilidade de escolha da escola.

A liberdade de escolha da escola existe em muitos países, enquanto o cheque-ensino tem no mundo uma reduzidíssima expressão - no total, em 2004-2005, os nove programas de cheque-ensino dos EUA abrangiam apenas 36.521 alunos. Já a possibilidade de escolha da escola pelos pais é uma realidade que tem vindo a crescer. Com pequenas variações, que reflectem as particularidades nacionais, em países como a Holanda e a Bélgica (há dezenas de anos) ou a Suécia e a República Checa (nos últimos 20 anos), as famílias podem escolher livremente a escola dos filhos, não se dando qualquer importância ao facto de a escola ser propriedade do Estado (administração central ou local) ou de entidades privadas (com ou sem fins lucrativos). Naturalmente que estes sistemas de ensino têm regras que garantem a sua equidade, e ninguém esperaria que assim não fosse. Desde logo, o Estado suporta a totalidade (ou quase) do valor da propina, pelo que não há qualquer discriminação com base na capacidade financeira da família. Para além disso, a propina tem de estar em sintonia com o montante médio dos gastos estatais com o ensino.

Ninguém espera milagres destas medidas, mas certamente que merecem o benefício da dúvida, ou seja, vale a pena estudar com cuidado as soluções que outros souberam encontrar, quando a falência dos sistemas de ensino centralizados se tornaram evidentes. Note-se que um dos países citados, a Suécia, foi na década de 70 a referência escolhida no desenho do nosso actual sistema de ensino; porém, enquanto a Suécia soube fazer as reformas que a realidade impunha na década de 90, em Portugal há ainda quem peça que tenhamos "fé" num dos piores sistemas de ensino da União Europeia.

Finalmente, ao contrário do que Rui Tavares e Vital Moreira sugerem, é difícil conceber um sistema de ensino mais penalizante para os pobres do que aquele que existe em Portugal: 40 por cento dos alunos estão condenados ao insucesso e abandono escolar, em especial os que são oriundos de famílias desfavorecidas. Paradoxalmente, estes ainda ajudam a pagar, com o dinheiro dos seus impostos e por via de um sistema de financiamento iníquo, o ensino superior das classes média e alta. Membro da direcção do Fórum Liberdade de Educação, militante do PS

Diz, ainda, que, «devia ser criado um subsídio directo».