Público  - 04 Nov 07

Os sexólogos
Paulo Moura

Do outro mundo

Os sexólogos gostam de fazer afirmações categóricas e normativas, o que é, em si mesmo, uma prova da sua irrelevância. Afirmações categóricas e normativas asfixiam qualquer possibilidade de erotismo e lavariam portanto, se fossem levadas a sério, os sexólogos ao desemprego.

Erotismo, acho eu, implica dramatização, ilusão, incursões no desconhecido. Quando nos dizem o que o sexo deve ser, já deixou de dever ser assim, porque já não nos apetece fazê-lo, e portanto já não é sexo.

Quando um sexólogo determina o que é saudável e o que não é saudável está apenas a definir as fronteiras das novas perversões. Está a dar-nos ideias. Praticar sexo segundo os conselhos de um sexólogo é como compor um poema segundo o manual de escrita criativa. Ou como pôr o Vasco da Gama a descobrir a Índia com um folheto da agência Abreu. Sem aventura não há arte, nem amor, nem erotismo.

Neste sentido, é bom que os sexólogos estejam calados, para se poder manter alguma normalidade na actividade sexual.Uma das afirmações categóricas e normativas que os sexólogos adoram fazer é a de que o ciúme é um sentimento doentio. Tem origem na insegurança, dizem eles. Na falta de auto-estima. O ciumento imagina coisas, acredita em hipóteses improváveis. E, de tanto acreditar, essas coisas que imagina acontecem mesmo, vaticinam ainda os sexólogos.

Um amante saudável nunca tem ciúmes. Se há indícios de que o parceiro ou parceira o traiu ou vai trair, deve ignorá-los. São decerto fruto da sua imaginação doentia. Há com toda a certeza uma explicação razoável para esses indícios, por mais gritantes que lhe pareçam. É preciso haver confiança. Se a tivermos em doses adequadas, acreditamos sempre no companheiro ou companheira, mesmo que ele ou ela saia de casa à meia-noite com uma carteira de preservativos nos dentes. Sem dúvida que haverá uma explicação para esse comportamento, não vale a pena pensar muito nisso. O que é preciso é ter confiança. Como se a confiança devesse sempre ser dada, e não precisasse de ser conquistada. Como se não fosse um bem escasso. Os franceses são mais prudentes, ao usarem o verbo "fazer" - faire confiance - em vez de "ter". "Fazer" soa mais como um contrato, implica um comportamento mais activo e responsável. Faz-se confiança, como se faz uma aposta. Ganha-se ou perde-se e a culpa não é de mais ninguém senão nossa.

O amor pode ser, na verdade, uma roleta russa e portanto o ciúme é um sentimento tão natural como a sua sede de amor. Há quem o tenha por doença, como também há quem sinta febre sem que isso corresponda a nenhuma infecção. Mas é raro. Na esmagadora maioria dos casos, quem tem ciúmes tem boas razões para os ter. De outra forma não se explicaria este mecanismo do ser humano, numa perspectiva evolucionista. Se acreditarmos que a nossa origem está em Adão e Eva, podemos considerar o ciúme um erro da Natureza, ou uma invenção do demónio, uma vez que não havia, à época da nossa criação, ninguém de quem o ter.

Mas se quisermos ser científicos temos de olhar o ciúme com respeito. Quem ama teme perder o objecto do seu amor e tem ciúmes se pressentir que isso vai acontecer. E isso realmente acontece todos os dias. Basta ver a percentagem de casamentos que acaba em divórcio. Não, é melhor não ver. As estatísticas também matam o amor.

Jornalista