Os sexólogos gostam de fazer afirmações categóricas
e normativas, o que é, em si mesmo, uma prova da sua
irrelevância. Afirmações categóricas e normativas
asfixiam qualquer possibilidade de erotismo e
lavariam portanto, se fossem levadas a sério, os
sexólogos ao desemprego.
Erotismo, acho eu, implica dramatização, ilusão,
incursões no desconhecido. Quando nos dizem o que o
sexo deve ser, já deixou de dever ser assim, porque
já não nos apetece fazê-lo, e portanto já não é
sexo.
Quando um sexólogo determina o que é saudável e o
que não é saudável está apenas a definir as
fronteiras das novas perversões. Está a dar-nos
ideias. Praticar sexo segundo os conselhos de um
sexólogo é como compor um poema segundo o manual de
escrita criativa. Ou como pôr o Vasco da Gama a
descobrir a Índia com um folheto da agência Abreu.
Sem aventura não há arte, nem amor, nem erotismo.
Neste sentido, é bom que os sexólogos estejam
calados, para se poder manter alguma normalidade na
actividade sexual.Uma das afirmações categóricas e
normativas que os sexólogos adoram fazer é a de que
o ciúme é um sentimento doentio. Tem origem na
insegurança, dizem eles. Na falta de auto-estima. O
ciumento imagina coisas, acredita em hipóteses
improváveis. E, de tanto acreditar, essas coisas que
imagina acontecem mesmo, vaticinam ainda os
sexólogos.
Um amante saudável nunca tem ciúmes. Se há indícios
de que o parceiro ou parceira o traiu ou vai trair,
deve ignorá-los. São decerto fruto da sua imaginação
doentia. Há com toda a certeza uma explicação
razoável para esses indícios, por mais gritantes que
lhe pareçam. É preciso haver confiança. Se a
tivermos em doses adequadas, acreditamos sempre no
companheiro ou companheira, mesmo que ele ou ela
saia de casa à meia-noite com uma carteira de
preservativos nos dentes. Sem dúvida que haverá uma
explicação para esse comportamento, não vale a pena
pensar muito nisso. O que é preciso é ter confiança.
Como se a confiança devesse sempre ser dada, e não
precisasse de ser conquistada. Como se não fosse um
bem escasso. Os franceses são mais prudentes, ao
usarem o verbo "fazer" - faire confiance - em vez de
"ter". "Fazer" soa mais como um contrato, implica um
comportamento mais activo e responsável. Faz-se
confiança, como se faz uma aposta. Ganha-se ou
perde-se e a culpa não é de mais ninguém senão
nossa.
O amor pode ser, na verdade, uma roleta russa e
portanto o ciúme é um sentimento tão natural como a
sua sede de amor. Há quem o tenha por doença, como
também há quem sinta febre sem que isso corresponda
a nenhuma infecção. Mas é raro. Na esmagadora
maioria dos casos, quem tem ciúmes tem boas razões
para os ter. De outra forma não se explicaria este
mecanismo do ser humano, numa perspectiva
evolucionista. Se acreditarmos que a nossa origem
está em Adão e Eva, podemos considerar o ciúme um
erro da Natureza, ou uma invenção do demónio, uma
vez que não havia, à época da nossa criação, ninguém
de quem o ter.
Mas se quisermos ser científicos temos de olhar o
ciúme com respeito. Quem ama teme perder o objecto
do seu amor e tem ciúmes se pressentir que isso vai
acontecer. E isso realmente acontece todos os dias.
Basta ver a percentagem de casamentos que acaba em
divórcio. Não, é melhor não ver. As estatísticas
também matam o amor.