Quarta-feira à noite Lisboa parecia abandonada. Por
quê? Por causa das "férias". Mais precisamente
do feriado (quinta-feira), da "ponte" (sexta-feira),
do fim-de-semana e da tradicional tolerância de
segunda-feira. Não sei quanto tempo de trabalho se
perdeu (milhões de horas, com certeza), por causa de
um calendário religioso que já ninguém respeita e já
ninguém sabe sequer o que significa. Tudo serve para
as pessoas se precipitarem para longe do lugar onde
trabalham e vivem. Em muitas regiões do país, a taxa
de ocupação de hotéis passou os 90 por cento; no
Algarve (apesar do frio e da ameaça de chuva) chegou
quase aos 100 por cento. Até a serra da Estrela
está, por assim dizer, "cheia". A Madeira também.
Nem o Alqueva (para passeios de barco) escapou. E
parece que não há um lugar numa única pousada.
Isto em Portugal. Dezenas de milhares de portugueses
foram quatro ou cinco dias para o estrangeiro. A
maioria (estranhamente) para o Brasil e (compreensivelmente)
para Espanha. O resto para a "Europa". Como quando
se vê o parque automóvel, em Lisboa ou na estrada
para o Algarve, uma pergunta vem sempre à cabeça:
onde arranja esta gente o dinheiro? Claro que os
voos são baratos, que se aproveitam os descontos da
"época baixa", que se fica em casa de família ou de
amigos, que se come mal e que se gasta pouco
(excepto provavelmente em compras). Mesmo assim não
se percebe uma capacidade de viajar tão inesperada e
maciça. E não acredito que, por subtil que seja a
ginástica financeira, a extravagância não se pague
caro (pelo menos, durante um tempo) em desequilíbrio
financeiro e privações que doem.
Aeconomia continua semiestagnada; os salários reais
descem (ou não aumentam); e sobem impostos de vária
ordem, a taxa de juro, o desemprego. Pior ainda, o
endividamento das famílias (tirando a Holanda) é o
maior da "Europa" (88,4 por cento do PIB) e a
poupança baixíssima. O país que freneticamente
desandou para se divertir nestas férias que o Estado
resolveu inventar é pobre, não tem um tostão de
reserva na gaveta e tem à porta uma bicha de
credores. Como se explica esta radical
irracionalidade? Só partindo do princípio que os
portugueses não acreditam e não se interessam pelo
futuro. Aprenderam com a experiência que o futuro
não traz nada de bom e vivem hoje como se o mundo
acabasse amanhã. O eng. Sócrates não lhes deu
qualquer razão para pensar o contrário.