Público  - 02 Nov 07

O futuro? Que futuro?
Vasco Pulido Valente

Quarta-feira à noite Lisboa parecia abandonada. Por quê? Por causa das "férias". Mais precisamente
do feriado (quinta-feira), da "ponte" (sexta-feira), do fim-de-semana e da tradicional tolerância de segunda-feira. Não sei quanto tempo de trabalho se perdeu (milhões de horas, com certeza), por causa de um calendário religioso que já ninguém respeita e já ninguém sabe sequer o que significa. Tudo serve para as pessoas se precipitarem para longe do lugar onde trabalham e vivem. Em muitas regiões do país, a taxa de ocupação de hotéis passou os 90 por cento; no Algarve (apesar do frio e da ameaça de chuva) chegou quase aos 100 por cento. Até a serra da Estrela está, por assim dizer, "cheia". A Madeira também. Nem o Alqueva (para passeios de barco) escapou. E parece que não há um lugar numa única pousada.

Isto em Portugal. Dezenas de milhares de portugueses foram quatro ou cinco dias para o estrangeiro. A maioria (estranhamente) para o Brasil e (compreensivelmente) para Espanha. O resto para a "Europa". Como quando se vê o parque automóvel, em Lisboa ou na estrada para o Algarve, uma pergunta vem sempre à cabeça: onde arranja esta gente o dinheiro? Claro que os voos são baratos, que se aproveitam os descontos da "época baixa", que se fica em casa de família ou de amigos, que se come mal e que se gasta pouco (excepto provavelmente em compras). Mesmo assim não se percebe uma capacidade de viajar tão inesperada e maciça. E não acredito que, por subtil que seja a ginástica financeira, a extravagância não se pague caro (pelo menos, durante um tempo) em desequilíbrio financeiro e privações que doem.

Aeconomia continua semiestagnada; os salários reais descem (ou não aumentam); e sobem impostos de vária ordem, a taxa de juro, o desemprego. Pior ainda, o endividamento das famílias (tirando a Holanda) é o maior da "Europa" (88,4 por cento do PIB) e a poupança baixíssima. O país que freneticamente desandou para se divertir nestas férias que o Estado resolveu inventar é pobre, não tem um tostão de reserva na gaveta e tem à porta uma bicha de credores. Como se explica esta radical irracionalidade? Só partindo do princípio que os portugueses não acreditam e não se interessam pelo futuro. Aprenderam com a experiência que o futuro não traz nada de bom e vivem hoje como se o mundo acabasse amanhã. O eng. Sócrates não lhes deu qualquer razão para pensar o contrário.