Público - 24
Nov 06
Uma situação enredada
Eduardo Prado Coelho o fio do horizonte
Voltando à questão da TLEBS [Terminologia
Linguística para os Ensinos Básico e Secundário],
valerá a pena ler o que de espantoso e aberrante se
escreve num site do Ministério da Educação
preenchido com materiais didácticos. Neste caso,
temos uma análise de uma estrofe dos Lusíadas
aplicando a nomenclatura da TLEBS. Como escreve
Vasco Graça Moura, que apresenta e desmonta este
exemplo em artigo do DN, de 22 de Novembro, o "ódio
à literatura atinge o seu paroxismo nestes modelos
de autópsia". E Vasco diz-nos: "Acuso deste crime o
Ministério da Educação." Aqui vale a pena fazer uma
reserva: aqueles que aprovaram este crime estavam
num governo PSD e chamam-se Maria do Carmo Seabra e
Diogo Feio. Curiosamente, até agora estiveram num
silêncio absoluto.
O actual Governo veio encontrar uma situação
enredada. Não creio que a equipa que hoje está no
Ministério da Educação tenha qualquer simpatia pela
TLEBS. E interroga-se mesmo sobre esta questão:
caberá ao ministério impor obrigatoriamente uma
terminologia? Mas, se a situação é enredada, a razão
é simples: quando estava prevista a aplicação
imediata da TLEBS, o ministério estabeleceu um
regime experimental que se arrasta no tempo. Há quem
tenha a esperança de que a questão se desvaneça como
aconteceu com o acordo ortográfico: depois de um
período de acesa discussão, deixou de se falar nele
e ficou tudo na mesma.
O ministério vê hoje um amplo movimento de opinião
manifestar-se contra a terminologia. É uma questão
de bom senso. Mas do outro lado surgem os linguistas
puros e duros, de enorme insensibilidade em relação
ao valor da literatura e aos problemas pedagógicos
(dizem apenas que o professor tem de ter o máximo
cuidado na transposição para a sala de aula), os
editores (que mesmo antes de qualquer aprovação já
tinham manuais concebidos com a TLEBS), que não
estão para deitar dinheiro para a rua,
compreensivelmente, uma vez que não podem mudar os
livros de ensino ao sabor de ventos e marés, e, por
fim, um misterioso abaixo-assinado de 15 mil
assinaturas, que se constituiu sem que ninguém desse
por isso e não esteve disponível para a generalidade
das pessoas, que nunca tinham ouvido falar dele.
O que há de inquietante é que a solução do período
experimental não é de modo algum eficaz. Neste
momento instala-se insidiosamente o facto consumado.
Os professores têm de aplicá-la, mal ou bem, e os
exames (os do 12.º ano) deverão ser feitos segundo a
nova terminologia. Isto significa que a TLEBS veio
para ficar, independentemente das reacções
fundamentadas, incluindo mesmo alguns linguistas de
prestígio. Donde, a parar, teria de ser já. Repito:
já. Indo além das pressões num ou noutro sentido e
escolhendo aquilo que parece justo.
O que está em jogo (e daí a polémica tão viva) é uma
concepção global do ensino e mesmo da própria vida
das pessoas. Trata-se de abandonar por completo uma
perspectiva humanista, ou de manter uma atitude
rígida, tecnocrática, sem "alma" nem envolvimento da
sensibilidade? Trata-se de termos homens abertos à
diversidade do mundo ou meros profissionais,
funcionários e limitados à sua especialidade?
Professor universitário