Público - 9
Nov 06
Tabaco pode impedir a gravidez
Teresa Firmino
Mulheres que
fumam muito foram comparadas com as que fumam pouco,
para estudar como o tabaco afecta o tecido do útero
e a implantação do embrião
Pela primeira vez, um estudo mostra que o tabaco
pode ter efeitos negativos no útero e, por isso,
reduzir de forma significativa as hipóteses de
gravidez. É publicado hoje na revista Human
Reproduction, editada pela Sociedade Europeia de
Reprodução e Embriologia Humana.
Foram comparadas as taxas de gravidez de mulheres
que fumam muito com as que fumam pouco (mais e menos
de dez cigarros por dia). Todas tinham a
particularidade de ter recebido ovócitos doados, uma
maneira de poder avaliar se o tabaco afecta o útero
e não os ovários, por exemplo. Aliás, sabe-se, desde
a década de 70, que o tabaco perturba a função dos
ovários, pois a menopausa chega mais cedo para as
mulheres fumadoras.
Agora, a equipa do ginecologista brasileiro Sérgio
Soares estudou 785 mulheres que, entre 2002 e 2005,
receberam ovócitos no Instituto Valenciano de
Infertilidade (IVI), uma clínica privada espalhada
por Espanha. Dessas mulheres, 741 fumavam pouco e as
restantes 44 eram grandes fumadoras. Nenhum dos seus
parceiros fumava, nem a dadora dos ovócitos era
grande fumadora.
"O consumo de mais de dez cigarros por dia teve um
impacto significativamente negativo nas
possibilidades de gravidez", sublinha ao PÚBLICO
Sérgio Soares, que chegou há cinco meses a Lisboa,
para dirigir uma clínica que o IVI acaba de abrir em
Portugal.
"As mulheres que fumavam pouco tiveram taxas de
gravidez significativamente mais elevadas, com 52,2
por cento a ficarem grávidas, em comparação com um
terço das grandes fumadoras (34,1 por cento)",
especifica Sérgio Soares, num comunicado da
Sociedade Europeia de Reprodução e Embriologia
Humana.
"Termos visto este resultado numa situação de
ovócitos doados por outras mulheres demonstra que
fumar afecta negativamente a receptividade do útero,
independentemente do seu efeito na função ovárica. E
este é um resultado novo", sublinha o ginecologista.
"É o primeiro estudo que avalia o efeito do tabaco
na capacidade do útero receber embriões."
Como é que o tabaco afecta o útero, ao dificultar a
implantação do embrião (momento em que se considera
que começa a gravidez), não foi estudado. Mas é
possível que o tabaco afecte a actividade dos genes
ou cause uma fraca oxigenação do tecido do útero.
Nada faz pensar que este estudo se aplica apenas a
quem recebeu ovócitos doados. "Pode extrapolar-se
para as mulheres que tentam engravidar com os
próprios óvulos."
Ficam a saber que se fumarem mais de metade de um
maço de cigarros por dia deverão ter mais
dificuldade em engravidar. "Seis meses a um ano será
o período a partir do qual a taxa de sucesso volta a
ser similar à das não fumadoras."
Mais gémeos
Mas o estudo reservou uma surpresa, que parece
contra-intuitiva e necessita de ser melhor estudada,
considera Sérgio Soares. As grandes fumadoras que
engravidaram tinham mais gravidezes múltiplas: 60
por cento esperavam gémeos, contra 31 por cento das
que fumavam pouco.
"Confirmar-se-á que esta associação é real, se se
aplicar a um largo número de casos. Então, os
constituintes do tabaco afectarão o útero de formas
distintas, impedindo a implantação nalgumas e tendo
o efeito contrário noutras", refere o principal
autor do artigo, assinado ainda por três
investigadores espanhóis.
"Há situações em que o tabaco pode ter efeitos
antagónicos. Pode ser que isso aconteça no tecido do
endométrio [mucosa que reveste o útero] e no
embrionário."