Diário de Notícias - 21 Nov 05
Antes de ficar
com o 'crédito na garganta'
paula cordeiro
Prevenir é a
palavra de ordem para governantes e técnicos do
sector. O desemprego é o grande responsável pelo
aumento dos sobreendividados
Os portugueses descobriram há
muito as "maravilhas" do crédito. Mas muitos já
conhecem também o "lado negro" do endividamento
excessivo e enfrentam duras negociações e até
processos judiciais. Prevenir é a palavra de ordem
para governantes e técnicos do sector, mas que
parece não ser atendida por todos. O desemprego
progride e é o grande responsável pelos (ainda)
poucos sobreendividados, mas que, a julgar pelos
pedidos de auxílio à Deco - Associação de Defesa do
Consumidor, tendem a aumentam exponencialmente.
Mas prevenção cabe a todos, e cada português pode e
deve adoptar um conjunto de comportamentos e regras
sempre que pretende aumentar o seu endividamento
perante as instituições financeiras. "Pode sempre
pedir-nos ajuda ainda antes de contratar o crédito,
para que possa ter mais informações sobre o produto
que pretende", diz ao DN Natália Nunes, jurista da
Deco dedicada a estas questões.
Este é o primeiro passo que qualquer consumidor deve
dar recolher informações sobre o empréstimo em causa
junto de várias instituições de crédito, comparar e
conhecer as implicações legais ao assumir
compromissos futuros.
"O consumidor deve igualmente ter a certeza da
necessidade de adquirir aquele bem a crédito, para
prevenir as compras compulsivas", refere, por seu
lado, Catarina Frade, técnica do Observatório do
Endividamento dos Consumidores (OEC).
Quando após a escolha do crédito o cliente se depara
com uma série de termos técnicos ( spread,
taxa efectiva, taxa nominal, Euribor, entre outros),
não deve hesitar em pedir explicações, até ficar
totalmente esclarecido. "Muitas vezes o consumidor
médio inibe-se e receia demonstrar desconhecimento,
aceitando condições que não compreende", adianta
Natália Nunes.
Nesta fase preventiva, os técnicos da Deco e do OEC
aconselham os portugueses a fazer o seu orçamento.
"Devem mesmo anotar todas as suas despesas e custos
fixos, compará-las com as suas receitas e, vendo o
saldo deve/haver, verificar se podem contrair um
crédito, ou seja, assumir mais um custo", refere
ainda aquela jurista da Deco.
Segundo Catarina Frade, este exercício pode mesmo
ajudar o consumidor a ajustar os seus consumos e a
gerir melhor os seus gastos.
poupança. À semelhança de qualquer empresa, a
melhor de forma de fazer face ao aumento dos
passivos é fazer crescer os activos. Isto pode
traduzir-se, no caso dos particulares, em aumentar a
sua poupança. "É fundamental que o consumidor adopte
um comportamento que o leve a conseguir poupar",
adianta Natália Nunes. A Deco aconselha a que cada
português detenha poupanças que correspondam a cinco
vezes o seu rendimento mensal, uma "almofada" que
poderá utilizar se lhe surgir um contratempo
(doença, acidente ou desemprego). Uma intenção
difícil de fazer cumprir, atendendo ao reduzido
crescimento dos rendimentos reais. Normalmente, as
"almofadas" utilizadas por quem entra em
endividamento excessivo são o apoio familiar.
Quando o consumidor chega à fase de contrair o
crédito, deve tomar algumas precauções. A taxa de
juro e a sua variação é um dos principais aspectos e
deverá solicitar simulações com taxas mais elevadas.
No caso de se tratar de um crédito à habitação, o
banco é mesmo obrigado, por regulamentação do Banco
de Portugal, a fazer simulações com uma taxa de juro
dois pontos percentuais acima do valor que o cliente
vai contratar.
Nos créditos sem garantia real (crédito pessoal e ao
consumo), as taxas de juro são mais elevadas, pelo
que se torna mais importante fazer bem as contas de
qual a taxa efectiva que se vai pagar.
Entrar em incumprimento. Depois de já possuir
um ou vários créditos e constatar que poderá ter
dificuldades em garantir o pagamento das prestações,
o consumidor não pode perder tempo. "Deverá
contactar a entidade credora quanto antes e tentar
renegociar os seus empréstimos, pois nesta fase é
muito mais fácil", explica Natália Nunes.
Esta atitude por parte dos consumidores demonstra
boa-fé e facilita as negociações, pois a entrada em
situação de incumprimen- to não interessa a nenhuma
das partes.
É também nesta fase que a Deco oferece apoio
jurídico, através dos seus gabinetes de apoio aos
sobreendividados (GAS), que existem em várias
cidades.
O consumidor deve, portanto, assumir a dificuldade e
não esperar por entrar em incumprimento ou aguardar
pelo contacto dos gabinetes jurídicos dos bancos.
No entanto, se o cliente entrar em processo
judicial, a Deco já não lhe pode valer. O português
que aqui chega terá de se dirigir aos serviços da
Segurança Social e pedir apoio judiciário.
À espera de medidas. A prevenção do
sobreendividamento está a ser analisada pelo Governo
e vão ser tomadas algumas medidas nesse sentido.
Esta é, pelo menos, a intenção manifestada pelo
secre- tário de Estado do Comércio, Serviços e
Defesa do Consumidor, Fernando Serrasqueiro, há
cerca de seis meses, ou seja, pouco depois de o
Governo ter tomado posse.
No entanto, até hoje, nada foi feito. O DN contactou
o gabinete de Fernando Serrasqueiro, mas foi
informado de que ainda não há novidades sobre a
matéria.
À espera está também o OEC, o Instituto do
Consumidor e a Deco, as entidades que actuam no
campo da prevenção do sobreendividamento e que
aguardam os prometidos apoios financeiros.
Trata-se de uma questão que não comporta uma grande
intervenção legislativa, mas sim colocar todos os
agentes possíveis no terreno a passar a mensagem da
prevenção. Como defendem vários técnicos, esta
"batalha" passa igualmente pela componente educativa
e pela introdução nos currículos escolares, ao nível
do ensino básico e secundário, de regras básicas de
gestão de finanças privadas. Para que mais tarde o
crédito não seja uma "corda na garganta" de muitos
portugueses. Endividamento dos particulares No final
do ano passado, o endividamento dos particulares
ascendia a 118% do seu rendimento disponível. Em
1990, era 20%