Diário da Madeira
- 19 Nov 05
O PESO DOS LIVROS
ESCOLARES
Manuel Filipe Correia
de Jesus
-
Introdução
No início deste ano
lectivo, dei comigo a pensar na política que tem
sido seguida em Portugal em matéria de livros
escolares. Ouvi comentários de alguns pais e vi
também um ou outro programa de televisão sobre o
assunto. Do que vi e ouvi pareceu-me justificado
alinhar algumas ideias e pô-las à reflexão dos
leitores – o que faço apenas como cidadão comum,
deixando de lado a minha condição de professor e de
político.
-
Peso
financeiro
Recolhi elementos, fiz
as contas e cheguei à conclusão de que uma família,
com dois filhos no ensino básico, tem de despender,
no início de cada ano lectivo, em livros e material
escolar, 350 euros por cada um deles, ou seja um
total de 700 euros. Trata-se de um peso exorbitante
e incomportável para o orçamento de maioria das
famílias portuguesas, nalguns casos impeditivo de um
adequado acesso ao ensino. Há disciplinas em que são
adoptados vários livros e exige-se material escolar
em duplicado e triplicado, com o argumento de que o
mesmo fica guardado nas respectivas salas, não
podendo transitar de uma para outra sala.
-
Peso
físico
Há dias da semana, em
que os alunos têm de carregar, às costas, mais de 5
quilos de livros, material escolar e outros
pertences. Para aqueles que têm de fazer percursos a
pé, mais ou menos longos, para os que se deslocam de
autocarro, é, de facto, muito peso. Para além da
penosidade natural do transporte diário de tal
carga, ganha relevo o efeito que isso poderá ter – e
inevitavelmente terá – na saúde das crianças. As que
têm problemas de coluna vê-los-ão agravados e as que
não os têm passarão a tê-los. O que tudo se deve ao
exagerado número de livros e cadernos exigidos para
cada disciplina.
-
Peso
comercial
Este aspecto tem de ser
visto de dois ângulos distintos. Primeiro, do ponto
de vista do volume de negócios que os livros
escolares significam. Fala-se em 150 milhões de
euros ( 30 milhões de contos ) por ano. É um
verdadeiro “negócio da China”, que dá para alimentar
muitos interesses, nada compatíveis com a finalidade
educativa e social dos livros escolares. Em segundo
lugar, no caso do material escolar, as escolas vão
ao ponto de indicar a marca dos materiais a
adquirir. Tratar-se-á de um caso de publicidade
gratuita ou haverá aí qualquer interesse
subterrâneo? Em nome da transparência, nunca se
deveria ir além de uma especificação de qualidade,
sem referência de marca.
-
Peso
didáctico
Apesar do esforço
financeiro imposto às famílias, há livros e material
cuja utilidade didáctica é nenhuma ou, pelo menos,
duvidosa. Estou a pensar naqueles professores que,
logo na primeira aula, declaram que o livro não
serve para nada – o que até pode corresponder à
realidade -, e que os alunos apenas devem dar
atenção às suas aulas. Penso também nos livros de
educação física, cuja utilização não chega a ser
solicitada pelos respectivos professores. Penso,
ainda, no material escolar que não é utilizado ou é
subutilizado. Penso naqueles livros, cujos
exercícios nunca chegam a ser feitos. Penso,
finalmente, no espartilho que certos livros e
cadernos de exercícios significam em relação à
criatividade e imaginação dos alunos.
-
Peso
da discriminação
Além dos livros e do
material escolar clássico, há a considerar, hoje, o
recurso aos meios informáticos – com tudo o que isso
significa de limitativo em termos de trabalho e
produção própria por parte dos alunos. Se, como se
diz, é indispensável a utilização do computador,
quer para navegar na Internet, quer para processar
textos e elaborar determinado tipo de trabalhos,
então, não dispondo a escola de meios suficientes
para todos os alunos, está criada uma incrível
situação de discriminação em relação àqueles que não
dispõem desses meios em sua casa – e são, como
sempre, os de mais limitados recursos. Havendo meios
na escola, o acesso é mais difícil; não havendo, a
situação piora substancialmente.
-
Peso
do desperdício
O governo de Santana
Lopes aprovou legislação com vista a dar algum
aproveitamento aos livros escolares usados. Mal
chegados ao poder, os socialistas consideraram tal
lei impraticável, com o argumento de que há livros,
que uma vez utilizados – como os de exercícios – não
podem ser reutilizados. Somos, de facto, um país
pobre com tiques de rico. Na verdade, os livros e o
material reutilizável deveriam ser reutilizados.
Quanto aos tais livros de exercícios, estamos
perante mais um ciclo vicioso: não são reutilizáveis
porque são de exercícios e são de exercícios para
não poderem ser reutilizados. Também aqui a voz do
negócio parece ter falado mais alto.
-
Peso
político
Numa política de
educação digna desse nome, a política do livro
escolar, apesar de relevante, não é certamente o
aspecto mais importante. Para mim, o mais importante
são os valores que enformam essa política e um corpo
docente, uma escola, capazes de os transmitir. Uma
política de educação sem valores é como um corpo sem
alma. Mas uma política de educação que, em matéria
de livros e material escolar, tem tantos pesos
negativos é uma política injusta, gravosa para os
alunos e suas famílias e também para a sociedade no
seu todo.
Levanto agora estes
problemas, dando tempo aos responsáveis, ao nível
governativo e ao nível das escolas, para poderem
melhorar alguma coisa em relação ao próximo ano
lectivo.
 |