A Europa procura um modelo económico-social
alternativo ao americano com base num triplo
pilar: no subsistema político, Democracia;
no económico, Mercado; e, no social,
Solidariedade. Hampton Court retomou esta
magna questão
Pode-se
dizer que o mérito da cimeira de Hampton
Court consiste em ter relançado, a partir do
mais alto nível, o debate acerca do modelo
social europeu. Naturalmente ninguém
esperava (nem o patrocinador do evento) que
os actuais responsáveis chegassem a qualquer
acordo, mesmo que se tratasse apenas de
fixar as suas linhas gerais. Contudo, veio
em boa hora.
Ainda que se possa assinalar uma ou outra
declaração anterior, creio que se deve a
Jacques Delors o empenho de definir em que
consistiriam as questões pendentes. Durante
a sua longa permanência à frente da Comissão
Europeia (de 1985 a 1995), Delors explicitou
que a Europa procurava um modelo
económico-social alternativo ao
norte-americano. Comentando o que ele mesmo
denominou de Objectivo 1992 (que seria a
principal resultante do Tratado de Roma,
aprovado naquele ano), indicou que o modelo
europeu, concebido a partir de um enfoque
sistémico, deveria assentar neste triplo
pilar: no subsistema político, Democracia;
no económico, Mercado; e, no social,
Solidariedade. Portanto, Hampton Court
retoma a magna questão.
[Suponho que caberia aproveitar a
oportunidade para discutir o tema,
procurando fazê-lo com vista ao
esclarecimento, no pressuposto de que
ajudaria a tomar partido, que só nos
cumpriria efectivar na hora do voto.]
Certamente que todos os temas do triplo
pilar sugerido por Delors têm idêntica
relevância, além de estarem mutuamente
relacionados. Ainda assim, começaria por
mencionar isoladamente a Solidariedade.
Tomando por base o caso francês, o professor
Alan Chesnais contesta que à França se possa
aplicar o conceito de Estado de Bem-Estar
Social. Parece-lhe que existiria ali a
combinação de serviço público igualitário,
que remontaria há mais de um século, com o
financiamento do sistema de saúde e
aposentadoria por co-gestão entre sindicatos
e patronato, cada um pagando sua parte. Esse
sistema não seria um presente do Estado mas
"uma conquista histórica que os franceses
estão determinados a defender."
Se deixarmos de lado a questão de saber se
aquilo que Delors denomina de Solidariedade
resulta de um longo processo, cimentado nos
diversos países através de procedimentos
diferenciados, ou da sua generalização
posterior à Segunda Guerra, graças às
políticas comuns resultantes da prática
keinesiana, o essencial da questão consta do
esquema proposto por Alan Chesnais. Trata-se
de serviço público igualitário e do
financiamento da saúde e da reforma,
admitindo-se que o tema do seguro-desemprego
estaria mais ligado às políticas económicas.
Ainda que tanto a qualidade como o
financiamento sejam diferentes segundo os
Estados membros, a maioria dispõe-se a
defender, com determinação, as conquistas a
que correspondem.
Omitamos por agora a qualidade da prestação
pelo Estado daqueles serviços que
dificilmente poderiam ser delegados, para
nos concentrarmos no tema que permanece.
No que respeita à saúde e à reforma, seria a
seguinte a pergunta a ser equacionada: e se
estiverem esgotadas as formas tradicionais
de financiamento? Ainda que variem segundo
os países, a resposta é afirmativa, seja no
que se refere aos que se sustentam por
contribuições, mediante impostos, ou por
combinação das duas fontes.
O sistema de saúde francês é universal e
único, sendo reconhecidamente da melhor
qualidade, o que nem sempre acontece nos
outros países da UE. As reformas, do mesmo
modo que a assistência às famílias e à
velhice, apresentam igualmente um desempenho
satisfatório. Entretanto, as alterações
verificadas na composição etária da
população acabaram por criar um autêntico
impasse, ao reduzir o número de
contribuintes, seguido do aumento dos
beneficiários. Até meados da década de
setenta, as contribuições eram suficientes
para atender às necessidades. É de 1981 o
livro intitulado de La crise de l´État
Providence, de Pierre Rosanvallon,
intelectual de renome e eminente
social-democrata, que alerta para o novo
quadro.
Desde então, os desembolsos dos
contribuintes mais que duplicaram, sem
impedir o aparecimento de um défice,
compensado por recursos orçamentários,
superior a dez mil milhões de euros. Na
França, presentemente, os impostos e
contribuições consomem em média 56,6 por
cento dos rendimentos das pessoas, segundo
os últimos dados, divulgados por Le Figaro,
impossibilitando o aumento posterior seja
das contribuições seja da carga tributária.
Com maior ou menor intensidade, o fenómeno
afecta os outros Estados-membros.
Estas breves indicações justificam que a
cimeira de Tony Blair haja relançado o
debate, que interessa não apenas à Europa
mas também a outras regiões do planeta.
Professor de Ciência Política