Público - 18 Nov 05

O modelo social europeu

António Paim

 

A Europa procura um modelo económico-social alternativo ao americano com base num triplo pilar: no subsistema político, Democracia; no económico, Mercado; e, no social, Solidariedade. Hampton Court retomou esta magna questão

Pode-se dizer que o mérito da cimeira de Hampton Court consiste em ter relançado, a partir do mais alto nível, o debate acerca do modelo social europeu. Naturalmente ninguém esperava (nem o patrocinador do evento) que os actuais responsáveis chegassem a qualquer acordo, mesmo que se tratasse apenas de fixar as suas linhas gerais. Contudo, veio em boa hora.
Ainda que se possa assinalar uma ou outra declaração anterior, creio que se deve a Jacques Delors o empenho de definir em que consistiriam as questões pendentes. Durante a sua longa permanência à frente da Comissão Europeia (de 1985 a 1995), Delors explicitou que a Europa procurava um modelo económico-social alternativo ao norte-americano. Comentando o que ele mesmo denominou de Objectivo 1992 (que seria a principal resultante do Tratado de Roma, aprovado naquele ano), indicou que o modelo europeu, concebido a partir de um enfoque sistémico, deveria assentar neste triplo pilar: no subsistema político, Democracia; no económico, Mercado; e, no social, Solidariedade. Portanto, Hampton Court retoma a magna questão.
[Suponho que caberia aproveitar a oportunidade para discutir o tema, procurando fazê-lo com vista ao esclarecimento, no pressuposto de que ajudaria a tomar partido, que só nos cumpriria efectivar na hora do voto.]
Certamente que todos os temas do triplo pilar sugerido por Delors têm idêntica relevância, além de estarem mutuamente relacionados. Ainda assim, começaria por mencionar isoladamente a Solidariedade.
Tomando por base o caso francês, o professor Alan Chesnais contesta que à França se possa aplicar o conceito de Estado de Bem-Estar Social. Parece-lhe que existiria ali a combinação de serviço público igualitário, que remontaria há mais de um século, com o financiamento do sistema de saúde e aposentadoria por co-gestão entre sindicatos e patronato, cada um pagando sua parte. Esse sistema não seria um presente do Estado mas "uma conquista histórica que os franceses estão determinados a defender."
Se deixarmos de lado a questão de saber se aquilo que Delors denomina de Solidariedade resulta de um longo processo, cimentado nos diversos países através de procedimentos diferenciados, ou da sua generalização posterior à Segunda Guerra, graças às políticas comuns resultantes da prática keinesiana, o essencial da questão consta do esquema proposto por Alan Chesnais. Trata-se de serviço público igualitário e do financiamento da saúde e da reforma, admitindo-se que o tema do seguro-desemprego estaria mais ligado às políticas económicas. Ainda que tanto a qualidade como o financiamento sejam diferentes segundo os Estados membros, a maioria dispõe-se a defender, com determinação, as conquistas a que correspondem.
Omitamos por agora a qualidade da prestação pelo Estado daqueles serviços que dificilmente poderiam ser delegados, para nos concentrarmos no tema que permanece.
No que respeita à saúde e à reforma, seria a seguinte a pergunta a ser equacionada: e se estiverem esgotadas as formas tradicionais de financiamento? Ainda que variem segundo os países, a resposta é afirmativa, seja no que se refere aos que se sustentam por contribuições, mediante impostos, ou por combinação das duas fontes.
O sistema de saúde francês é universal e único, sendo reconhecidamente da melhor qualidade, o que nem sempre acontece nos outros países da UE. As reformas, do mesmo modo que a assistência às famílias e à velhice, apresentam igualmente um desempenho satisfatório. Entretanto, as alterações verificadas na composição etária da população acabaram por criar um autêntico impasse, ao reduzir o número de contribuintes, seguido do aumento dos beneficiários. Até meados da década de setenta, as contribuições eram suficientes para atender às necessidades. É de 1981 o livro intitulado de La crise de l´État Providence, de Pierre Rosanvallon, intelectual de renome e eminente social-democrata, que alerta para o novo quadro.
Desde então, os desembolsos dos contribuintes mais que duplicaram, sem impedir o aparecimento de um défice, compensado por recursos orçamentários, superior a dez mil milhões de euros. Na França, presentemente, os impostos e contribuições consomem em média 56,6 por cento dos rendimentos das pessoas, segundo os últimos dados, divulgados por Le Figaro, impossibilitando o aumento posterior seja das contribuições seja da carga tributária. Com maior ou menor intensidade, o fenómeno afecta os outros Estados-membros.
Estas breves indicações justificam que a cimeira de Tony Blair haja relançado o debate, que interessa não apenas à Europa mas também a outras regiões do planeta. Professor de Ciência Política

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