Público - 12 Nov 05
A
apologia do óbvio
Rui Valada
Pergunto-me às vezes de que serve que as nossas
universidades despejem todos os anos centenas de
licenciados em Economia e que as suas cátedras
estejam repletas de reputados especialistas, se nem
delas nem sob a influência delas surgem os
defensores lúcidos de um rumo adequado para o
país...
A culpa não pode ser dos indivíduos, só pode ser das
doutrinas em voga. Talvez vá sendo altura de
concluir que elas preconizam métodos que não
resultam.
Ano após ano, e sem solução real à vista, apesar das
promessas repetidas, o espectáculo do descalabro das
nossas contas públicas continua. O problema não se
resolve, atenua-se apenas à custa de expedientes e
medidas de emergência. Os impostos sobem, mas as
receitas fiscais não tanto. A aceleração da despesa
é contida, mas o desperdício financeiro não tanto. E
assim por diante.
A generalidade das ciências pratica hoje em dia um
certo espírito experimental, do qual resulta que
sejam afastadas as hipóteses que não dão resultados
satisfatórios. Parece que só em economia se não faz
isso, apesar de a disciplina tanto reclamar o
estatuto de ciência. Tendo posto em prática medidas
que não deram os resultados desejáveis, pretende
ainda obtê-los pelo reforço das mesmas medidas. Que
maravilha de persistência, de empenho, de
credulidade!
Pela minha parte, não sendo académico nem
especialista reputado, não tenho que estar vinculado
a nenhuma doutrina em voga. E como não tenho que
defender nem ensinar nada, posso simplesmente
observar os factos, relacionar causas com efeitos,
comparar as intenções e os resultados. E o que vejo
é que, de cada vez que os impostos sobem, a economia
contrai-se ou abranda; os rendimentos caem, as
transacções diminuem, os lucros ressentem-se; e,
sempre que isso acontece, as receitas fiscais
declinam e as previsões financeiras derrapam. Em
suma: a solução do défice orçamental elevado fica
adiada para a próxima tentativa, sempre mais
drástica, do mesmo método infrutífero. Já antes lhe
chamei "um círculo vicioso", título de um artigo que
passou despercebido, como também este certamente irá
passar.
O que o país precisa, pelo contrário, é algo
diferente: baixar os impostos. Diria mesmo mais:
baixar drasticamente os impostos e outras
contribuições obrigatórias. São elas que estrangulam
a economia, mais do que qualquer outra coisa. E uma
economia estrangulada inviabiliza qualquer
crescimento indolor das receitas fiscais.
É o crescimento económico que, através do incremento
das transacções comerciais e dos rendimentos, traz
consigo a subida dos impostos efectivamente
cobrados, directos e indirectos. A simples subida
das taxas, em clima de estagnação ou recessão, não
produz esse efeito. Taxas mais elevadas sobre
transacções e rendimentos em queda só podem agravar
o défice.
Não esqueçamos o famoso efeito multiplicador que,
como uma onda de choque, se propaga a montante e a
jusante das actividades empresariais, quando uma
economia se expande; pelo contrário, quando os
negócios e os rendimentos se contraem, o que temos é
um efeito desmultiplicador, simétrico nos seus
efeitos, contra o qual não há subidas de taxas que
aguentem.
Aqui fica, mais uma vez, o aviso. Vem mais défice a
caminho. Professor e Advogado (Ala reformista do PSD)
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