Diário de Notícias - 11 Nov 05

França, país do progresso

João Miguel Tavares

Acossado pela violência que invadiu os subúrbios de Paris, o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, avançou com uma proposta legislativa impensável há um par de anos a diminuição do tempo de escolaridade obrigatória. Se essa proposta vier a ser adoptada, os adolescentes franceses vão poder deixar a escola aos 14 anos - até agora, só a podiam abandonar aos 16 - para se dedicarem imediatamente à aprendizagem de uma profissão. Segundo uma sondagem do diário Le Parisien, 83% da população apoia esta medida.

Não sei se muitos se aperceberam, mas esta proposta de Villepin é uma pequena revolução, uma machadada no mito social europeu e o fim da bulimia educativa, que o Ocidente sempre entendeu ser o grande motor do seu progresso. A França, a velha França, a diminuir os anos da escolaridade obrigatória? Toda a esquerda e todos os sindicatos de professores começaram a benzer-se e a gritar que vem aí o fim do mundo. E, no entanto, no meio desta monumental confusão e das asneiras de Nicolas Sarkozy, esta é bem capaz de ter sido a única medida inteligente a sair da cabecinha do Governo.

A nossa sociedade humanista, democrática e igualitária gosta de acreditar que quantos mais anos os jovens permanecerem na escola maior capacidade cada país terá para enfrentar os desafios do futuro. Com as suas periferias ateadas por pilhas de jovens excluídos e sem emprego, a França percebeu a urgência de mudar. Portugal não é a França, certamente, mas tem as escolas e as universidades cheias de gente sem vocação para os estudos que devia estar a trabalhar, e de gente com vocação para os estudos que não tem a formação que merece. Não se trata aqui de promover a segregação - trata-se, pelo contrário, de dar a cada um consoante o seu talento e a sua necessidade. Infelizmente, o nosso modelo social é um monstro cego. Em França, foram precisos milhares de carros a arder para ele finalmente ver a luz.

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