Diário de Notícias - 11 Nov 05

Emigração e exclusão na Europa

Jorge Coelho

A Espanha está a ser confrontada com uma vaga de imigração. As redes que estão a ser reforçadas separam o mundo desenvolvido dos mais pobres.

Alguns morrem pelo caminho. Outros regressam ainda mais pobres.

Cada vez mais as fronteiras da Europa com o continente africano se transformam em muralhas.

O mesmo sucede, em parte, com o fenómeno do terrorismo. O surgimento de organizações que estavam sediadas fora da Europa levou ao reforço securitário nas fronteiras.

A Europa está a transformar-se numa fortaleza.

Por outro lado, os dados mais recentes - os atentados em Londres e os tumultos em França - revelam que muitos destes problemas já estão localizados no interior da própria Europa. E, por pa- radoxal que pareça, só agora estamos a olhar para eles com atenção, ao mesmo tempo que, muitas vozes, afirmam que o que está a suceder já era esperado. O que levanta outro tipo de problemas a omissão, os vários poderes que nada fizeram. Como as agendas dos decisores são marcadas mais pelos media e por epifenómenos do que por questões estruturais.

Os portugueses já sofreram na pele alguns problemas de discriminação em França, na Alemanha e, mais recentemente, na Irlanda. Analisando só os casos dos nossos emigrantes, já se verifica que não é fácil a integração nos países de acolhimento.

Quando as culturas são ainda mais diferentes, quando não se enquadra a hipótese de regresso ao país de origem - porque se trata de uma regressão do ponto de vista social e económico -, quando a exclusão é mais marcante, quando esses mesmos países se confrontam com uma situação de crise... este diálogo e enquadramento é mais complexo. E no caso francês a situação é ainda mais problemática porque criaram os guetos e tentaram impor uma cultura - o caso do véu. Há 30 anos precisavam de muita mão--de-obra.

Hoje, os filhos desses imigrantes estão no desemprego, estão excluídos socialmente e, como escreveu esta semana Francis Fu-kuyama, sem uma forte identida- de. Afinal, o que são? A resposta é difícil. Talvez seja mais fácil encontrar a resposta à pergunta o que não são?

O que se passa em França pode espalhar-se a outros países, mas este fenómeno não pode ser generalizado nem provocar leituras simples.

No plano das culturas até pode agudizar os confrontos. A nível ideológico, pode fundamentar os extremismos. No plano económico, a ter continuidade, é um indicador que acentua a instabilidade. E o "paternalismo" também não é resposta, no plano social.

É essencial restabelecer a ordem pública e interpretar o falhanço de uma política de segurança que rompeu com a polícia de proximidade. Mas é preciso ir mais longe.

Não são apenas os "governos" que têm uma resposta a dar. Cada vez menos.

Mas, como é óbvio, não sendo só os "governos" a dar, sozinhos, respostas aos problemas, os seus membros não podem nunca pôr os seus interesses políticos ou pessoais à frente dos interesses da sociedade e do país, como fez o ministro da Administração Interna francês, ao insultar, no início das manifestações, os jovens destes bairros, ajudando a incentivar uma situação que já por si era gravíssima.

Mas, no meu entender, o que está fundamentalmente em causa é o modelo de sociedade que se pretende seguir. Qual o papel das pessoas, do Estado e das empresas? Qual a relação entre valores como dinheiro, solidariedade, justiça social, religião, identidade cultural, direito à diferença.... E queremos continuar a ter "continentes perdidos"?

No século passado foram construídos e destruídos os muros ideológicos. Este século vai ficar marcado pelos "condomínios fechados" (a Europa e o Norte da América), que se defendem e isolam de um mundo pobre, desagregado e doente? A visão "humanista" restringe-se às ajudas para combater, episodicamente, a fome ou a recuperação da guerra em algumas dessas regiões?

Como se percebe facilmente, são muitas e complexas as perguntas mas mais difíceis são as respostas.

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