Diário de Notícias - 10 Nov 05

Quem diz a verdade...
José Manuel Barroso

Numa entrevista que me concedeu, há algum tempo e no DN publicada, o economista e analista político Joaquim Aguiar dizia esta frase (que eu, de resto, escolhi para título da peça) "Quem diz a verdade não ganha eleições." Singela e terrível, ao mesmo tempo, pelo seu significado e consequências políticas.

Aguiar partia - e creio que ainda parte - de uma visão pessimista sobre a realidade económico-financeira e política do País. E, sobretudo, sobre a verdade do diálogo dos responsáveis políticos com o eleitorado. Sendo as coisas como são e como têm sido, político ou partido que queira ser Governo não pode dizer tudo aos cidadãos, sob pena de os decepcionar e de obter em resposta uma minoria de votos. Mas, não dizendo a verdade (ou, pelo menos, toda a verdade) para amealhar votos, cria expectativas e esperanças que não vai poder satisfazer.

Em campanhas eleitorais, criar expectativas significa, normalmente, prometer políticas diferentes e/ou mais favoráveis às esperanças do eleitor. Logo, sendo-se Governo, se a realidade se impuser de forma óbvia e o político tiver de dar o dito por não dito ou se "esquecer" do prometido, ele é mentiroso e entra no rol dos políticos que prometem e não cumprem. Vai ser uma parcela mais para a "evidência" de que a classe política progressivamente se desacredita aos olhos dos cidadãos. É caso para dizer "Preso por ter cão, preso por não ter." Ou, para recorrer a uma frase histórica: "Mal com os homens, por amor d'el-Rei [o interesse nacional], mal com el-Rei, por amor dos homens."

Sair deste dilema é quase como descobrir a quadratura do círculo. Porque, a este propósito, os políticos têm ainda um outro obstáculo os media, esse novo e cada vez mais forte poder reflector mas também enquadrador das opiniões públicas. Se o político não cumprir promessas, vai arcar com títulos dos jornais ou as notícias de TV e rádios: "Prometeu e não cumpriu." Se explicar que não cumpriu porque não pode e porque as circunstâncias o não permitem (mesmo se conjunturalmente), arrisca-se a ter outros títulos e notícias esperando: "Já sabia que não podia cumprir, logo não devia ter prometido." A história do velho, do rapaz e do burro.

Alguns políticos e analistas defendem que os responsáveis deveriam ter a coragem de dizer toda a verdade, nela incluindo o rol de sacrifícios e de perdas de regalias que tal significa. Mas, assim, outro risco se perfila no horizonte. Se se diz a verdade nua e crua, se se enumera o rol de sacrifícios e se se aponta para inevitável perda de regalias - então está-se a traçar horizontes negros, as pessoas desacreditam, o País entra em depressão e a economia não arranca, porque insegurança e me-do foram instilados por políticos desconhecedores da palavra optimismo.

Deste modo, o optimismo que deveria ressaltar do encarar as coisas como elas são - estivemos a viver acima das nossas posses, logo temos de trabalhar mais e melhor para construir um melhor futuro, que é o que qualquer chefe de família responsável faria em sua casa - é travestido em pessimismo. Com a inevitável cobertura de muitos dos media - os tais que nunca são res- ponsáveis por nada e talvez devessem ser. Pelo menos, co-responsabilizados, com muitos dos políticos que criticam, pela criação de um clima de depressão colectiva. E por conivência com a ocultação da realidade.

ÁFRICA. Na edição de ontem do DN, quis um amável leitor, Luís Mah, rebater - e, na perspectiva em que se colocou, bem - argumentos do economista queniano James Shikwati, por mim citado há duas semanas, contrários à maior parte da ajuda (humanitária) ao continente africano. Coloquei entre parêntesis o "humanitária", porque era a ela que, na maior parte da sua entrevista à revista Veja Shakwati se referia. Na verdade, o economista queniano não dizia que toda a ajuda era má e que toda ela iria desresponsabilizar os políticos africanos e, sobretudo, ajudar os corruptos. No fundo, o que Shakwati pedia aos países ricos era que colocassem os dirigentes corruptos perante as suas responsabilidades e que, ao fazê-lo, ajudassem a criar uma opinião pública africana exigente para com os seus dirigentes - pelo alargamento e incentivo ao espaço democrático. Os exemplos positivos não excluem, a meu ver e no de Shakwati, duas coisas a África tem de ser confrontada com os seus problemas endógenos e apenas devem ser ajudados, a não ser em situações humanitárias-limite, os países cujos dirigentes forem capazes de utilizar a ajuda em benefício dos seus povos e não do seu bolso.

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