Maria
Fernanda Barroca - 7 Nov 05
Escravidões dos nossos dias
Todos nos congratulamos quando
se comemora a abolição da escravatura nalgum país.
Esquecemo-nos porém que nos tempos modernos a escravatura
continua em muitos lugares, com a complacência das
autoridades internacionais que nada fazem para pôr cobro a
tais situações.
Hoje vou referir-me a três
novas formas de escravatura que proliferam no mundo que se
diz civilizado: o jogo, o sexo e os tranquilizantes.
A doença que incapacita alguém
de se libertar do vício do jogo é a ludopatia. Para tal
doença tem contribuído o aparecimento de lotarias, legais e
clandestinas, totolotos, totobolas, concursos televisivos,
anúncios publicitários, jogos de cartas, etc. Até no ensino
se usa em excesso as actividades lúdicas para ajudar a
motivação e a aprendizagem. Estatísticas mostram que o vício
do jogo é um dos três motivos mais frequentes que os homens
invocam para pedir a separação.
A ludopatia conduz a dramas
familiares por causa das dívidas contraídas, o absentismo ao
trabalho, a perda de emprego, os desfalques e roubos. Afecta
mais os homens com a idade à volta dos quarenta anos e
pertencentes à classe média; as donas de casa com uma
especial apetência pelas máquinas de moedas e os reformados
das classes modestas.
É tal a força da doença que já
foram criadas associações dos chamados “jogadores anónimos”,
para se ajudarem, mas o vício continua.
À era da revolução sexual
segundo a qual os optimistas consideravam que, com a falta
de inibição viria um saudável uso do corpo e a liberdade
completa, segue-se agora a dependência do sexo de forma
irreprimível. São homens e mulheres para quem a actividade
sexual se converteu numa droga, não vendo nos outros senão
objectos de prazer. Os sexo-dependentes começam por ser
consumidores de pornografia que dificilmente abandonam,
perdem o auto-controlo. Quando um indivíduo destes recorre a
uma ajuda, geralmente o que ouve não lhe agrada. “Queres
curar-te? – pratica a abstinência”. O problema é que a
sociedade estimula o mais que pode a actividade sexual,
apesar de se estar a notar uma viragem neste campo. Ouvi há
tempos uma palestra de uma médica de Saúde Pública dizer que
ao falar a estudantes universitários sobre esta matéria, um
deles levantou-se e disse em voz alta: “Tenho 22 anos e sou
virgem e muitos dos amigos e amigas com quem convivo também
o são, mas têm vergonha de o declarar pois temem ser
«gozados»”. Nos Estados Unidos há uma associação de jovens
que congrega muitos milhares e que se comprometem a manter a
virgindade até ao matrimónio. Tenhamos pois esperança que o
século XXI seja melhor que o anterior e por este único
caminho – a abstinência – a pandemia da Sida possa ser
dominada.
A terceira escravidão é a do
uso imoderado de tranquilizantes. Esse uso desmedido de
tranquilizantes está em sintonia com o desejo de evasão. É
também um expediente cómodo para o doente que com o
medicamento se sente desresponsabilizado e não tem de se
defrontar com problemas existenciais. Para o médico também é
cómodo pois despacha rapidamente o doente que mais
necessitava de uma psicoterapia profunda, mas que é
demorada...
O mais grave é que o uso de
tranquilizantes está a ser cada vez mais precoce:
adolescentes e jovens entre os 15 e os 20 anos tomam com
frequência remédios para dormir. E pior ainda é quando o uso
dos hipnóticos começa à volta dos 10 anos.
Será que qualquer
destas escravidões que referi são sempre casos patológicos?
De facto não; há sim uma mudança de perspectiva: o que
dantes era considerado comportamento errado, agora é
considerado opção individual, partindo de uma
determinada concepção de liberdade (que mais não é que
libertinagem) e deixando de entrar em conta a componente
moral. Ora a moral ajuda a ser livre ainda que exija
temperança e desprendimento. Sem isso, a vontade é
agrilhoada e daí chega facilmente às dependências a que
chamei escravidões.
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