Público - 2
Nov 05
Aborto:
confusões e diferenças
António Pinheiro Torres
As notícias recentes e repetidas sobre a pressa do Ministério da Saúde
(confortado com uma resolução parlamentar da antiga maioria PSD/CDS, a que
oportunamente foram feitas muitas reservas) em possibilitar a clinicas privadas
a realização de abortos e sobre a instalação em Portugal de estabelecimentos
idênticos por iniciativa de organizações internacionais, sempre divulgadas em
páginas e por jornalistas, habitualmente utilizados como canais de comunicação
das posições favoraveis à liberalização da "IVG", vem trazer um rasto de
confusão a um debate que merecia ser claro, sereno e plural.
Não se pode assim deixar de deplorar a mistura que é feita entre um debate
referendário (quanto a nós tão incapaz de responder ao problema como o seria
qualquer liberalização por iniciativa parlamentar) e as questões resultantes do
cumprimento estrito e formal da lei de 1984. Esta última lei não pode nem deve
ser manipulada (como acontece com lei semelhante em Espanha) como instrumento de
obtenção do aborto livre até às dez semanas. Pense-se o que se pensar da mesma,
o que neste momento pouco importa quando o debate tem por objecto a proposta do
aborto "a pedido", configurado como direito oponível e exigível ao sistema de
saúde.
Mas a confusão é tal que não se percebe já sequer se os futuros proponentes da
resposta "sim", num referendo sobre a descriminalização do aborto até às dez
semanas, ainda continuam a considerar o aborto um acto penalizante do ponto de
vista fisico e psíquico para a mulher que o pratica, ou se, pelo contrário, é
seu desejo que o mesmo seja amplamente possível. A proposta recente, pelo PCP,
da introdução, em Portugal, da pílula abortiva clássica (o RU-486) parece
indicar ser esta a opção tomada.
Sendo consensual entre todas as partes deste debate que o crime de aborto deve
ser punido (sendo que a diferença entre ambos se centra no momento a partir do
qual tal deve acontecer: desde o início ou a partir da 11.ª semana) e por isso
não só que a lei penal tem uma faceta preventiva, como deve ser cumprida, a
diferença entre os proponentes do "não" e os do "sim" parece reduzida a três
questões.
A primeira consiste na diferença entre os momentos em que a vida humana, em
Portugal, deve merecer tutela e protecção juridica (por muito "jeito" que dê
para o debate, a lei penal não é para enviar gente para a prisão, mas para
defender pessoas e valores consensualmente aceites numa sociedade). A segunda na
resignação perante as circunstâncias pessoais e sociais, que faz com que para
uns o aborto nunca seja a solução (e daí a vasta obra social nascida da posição
vencedora no último referendo) e para outros a indiferença e a impotência
constituam respostas suficientes. A terceira em que para uns ainda falta muito
para conhecer totalmente o assunto (também esse foi o entendimento da Assembleia
nas últimas legislaturas, expresso na decisão da realização de um estudo
completo e exaustivo sobre números e causas), enquanto para outros a afirmação
ideológica e de poder será mais importante que as vidas concretas em jogo.
Por isso nos parece que o debate sobre o aborto não precisa de referendos, mas
de seriedade e clareza. Precisa também de iniciativa política e legislativa
(protecção do embrião humano, apoio a quem precisa, políticas favoráveis à
família). Precisa muito de liberdade de expressão (a comunicação social
praticamente só veicula as posições de um dos lados e confunde o "não" com os
partidos de centro-direita). Precisa sobretudo que se perceba, olhando para os
Centros de Apoio à Vida, que dizer que o aborto não é uma solução não é um
discurso, mas uma experiência. Para reconhecê-la não é preciso mais que olhá-la.
Associação Juntos pela Vida
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